“No Tempo da Intolerância”: Álbum póstumo de Elza Soares é lançado com participação de Pitty e Rita Lee

por | junho 26, 2023

Ouvir “No tempo da intolerância” (Deck) é ter certeza de que Elza Soares vive. Para sempre. Do início ao fim, o último álbum gravado pela cantora do milênio evoca eternidade. Traz Elza compositora em sete faixas retiradas do tão famoso quanto secreto caderno de memórias. Tem melodia inédita da grande dama do samba, Dona Ivone Lara, e homenagens de Rita Lee, Pitty, Josyara e Isabela Morais àquela que nos acostumamos a chamar Deusa.

O disco que Elza Soares deixou pronto antes de partir começou a ser gestado tão logo “Planeta Fome” (Deck/2019) saiu do forno. Se não emendasse um trabalho no outro, não seria Elza, a mulher que encaixou mil vidas numa só encarnação. A intenção era produzir uma obra autoral, com protagonismo feminino, jovens instrumentistas e assentada na negritude da filha da Vila Vintém. Dito e feito.

Pedro Loureiro, empresário, se pôs a garimpar os escritos. Rafael Ramos, produtor, se encarregou de músicos e arranjadores. O tom quem encaixou foi Gabriel Aquino, filho de João de Aquino, com quem Elza gravou um álbum voz e violão em 1996-1997, mas só foi lançado em 2021. A artista entrou no Estúdio Tambor, no Rio de Janeiro, no ano anterior à sua morte física, em 20 janeiro de 2022. O resto é História.

O disco é ideologicamente posicionado, passa recados fortes, diretos. Ao mesmo tempo, é divertido e dançante. Bebe do samba, da salsa e da black music de James Brown, astro americano que influenciou brasileiros do quilate de Tim Maia, Tony Tornado, Gerson King Combo, Sandra de Sá. Percussão, cordas e sopro acompanham a voz rascante – e marcante – de Elza.

Foto: Daryan Dornelles

O feminismo negro está escancarado em canções como “Coragem”, de referência autobiográfica e refrão irresistível (Se você é preto/ Não se iluda, meu bem/ Entre eles e nós/ A lei protege quem?). “Mulher pra mulher” (E tampouco ignoro a sua luta, mulher/ Mas fique sabendo a minha luta-dor atravessou o mar), de Josyara com texto introdutório de Elza, é um papo reto – retíssimo – com as white saviors do feminismo branco.

Na derradeira faixa, uma dama encontra outra. Com letra de Pedro Loureiro e Elza Soares em melodia inédita de Dona Ivone Lara, “No compasso da vida” (Ela é dona dela agora/ O seu caminhar/ Sem desafinar/ Sabe onde chegar) é celebração à eternidade de duas mulheres senhoras de si, referências de gerações e gerações.

 

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