“Acho que é muito importante a gente ter pessoas reais na televisão”: Confira entrevista com Jeniffer Nascimento

por | julho 20, 2023

Atriz e cantora, Jeniffer Nascimento ascendeu aos olhos do público em uma época que cabelos crespos e traços negros vem  sendo (a passos lentos) melhor assimilados nas televisão. Sua cabeleira, hora black, hora trançada, se tornou destaque desde que estreou em “Malhação” em sua vigésima  temporada como a divertida Solange. De lá para cá, Jennifer esteve em diversas novelas, programas como o The Voice e hoje é uma das embaixadoras da Maybelline NY, marca de cosméticos que pertence à L’Oréal

Jeniffer  mostra ciência da importância dos lugares que vem ocupando. É sua primeira grande parceria com uma linha de maquiagens e uma ponte para o futuro.”Pessoalmente falando, é muito simbólico para nós, mulheres pretas. Desde pequena, temos questões com autoestima por não nos enxergarmos como um padrão, por não sermos vistas como belas por conta dos nossos traços, pela sociedade”, conta.

Todos os dias, eu também ensinei todas as minhas primas a se maquiarem, desde que elas eram bem pequenininhas. Eu era a pessoa que ficava brincando de fazer penteados no cabelo delas e de maquiá-las. Então, assim, para qualquer uma delas que você perguntar, elas vão ter essa recordação de que eu brincava de boneca com elas. Então, a maquiagem, para além de ser uma ferramenta de autoestima, de empoderamento, de amor próprio, ela também tem um lugar afetivo muito importante no meu coração

 

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Imagem: Instagram

A artista nos contou que sempre foi muito vaidosa. Estudante de escola particular, tentava se encaixar no que era o padrão de  aparência das instituições, claro, imagens brancas. “Sempre era uma das pouquíssimas alunas pretas da escola. Então, por muito tempo, eu fiquei tentando me encaixar em algumas caixas, né? É isso”, explica a atriz que começou sua relação com a atuação no teatro. “Sempre gostei de usar maquiagem, e isso é muito legal. A maquiagem tem um símbolo muito importante na minha vida, primeiro por conta do teatro, né? Eu sempre gostei de me maquiar para fazer personagens. Eu lembro que eu conseguia fazer um traço de delineador ou passar rímel sem borrar, estando no metrô ou no ônibus, de tanto que já era corriqueiro me maquiar todos os dias”, revela.

 Confira mais do nosso papo com a atriz!

Jeniffer,  desde que você surgiu para o grande público, é usando seu cabelo natural. Voce tem noção da mensagem poderosa que isso passa para meninas que te assistem ?

Jeniffer   Nascimento: Eu fui uma das vencedoras e integrei o grupo ‘Girls’. E lá, eu já usava cabelo liso, e comecei a usar mega hair e cabelo loiro, um cabelo encaracolado com luzes loiras. Quando eu passei a fazer só em Malhação, o diretor disse que ia soltá-la, porque ela era uma personagem muito empoderada, então não tinha como o cabelo dela ficar liso, né? Aí a gente tentou fazer com que meu cabelo cacheasse, mas, como foram anos de química, ele não cacheava de jeito algum. Até que surgiu a ideia das tranças, e a trança não só foi um símbolo de empoderamento para quem estava me assistindo, como para mim. Eu passei um ano e meio de tranças, então acabei passando pela transição capilar sem fazer muita ideia do que estava acontecendo e, ao mesmo tempo, acabei inspirando milhares de outras meninas a passarem pela transição capilar.

Foi um momento muito especial para mim, porque eu estava sendo inspirada pela personagem a assumir as minhas raízes, a entender qual a real estrutura do meu cabelo, e ao mesmo tempo que eu estava inspirando milhares de outras meninas. A partir dali, eu pude conhecer qual é a real estrutura do meu cabelo e nunca mais mudei. Eu acho que é muito importante a gente ter pessoas reais na televisão também, sabe? Eu tenho muito isso para mim, assim, eu tomo muito esse cuidado desde que eu me entendi como pessoa pública. Eu tenho essa missão comigo, é o que eu sinto nesse momento. Não sei se algum dia eu posso mudar de ideia, mas assim, eu nunca passei por nenhuma intervenção cirúrgica. Eu nunca fiz procedimentos estéticos que mudassem a aparência do meu rosto ou do meu corpo. Claro que já fiz uma massagem, um ultrassom, mas nada que fosse tão agressivo. É porque eu acho importante as pessoas, todos os tipos de pessoas, se reconhecerem, sabe, quando assistem algo. Porque eu lembro que, por muito tempo, eu não me reconhecia, e por não me ver ali, eu me achava errada. Então, dentro do meu papel enquanto artista, isso tem feito parte da minha missão, tentar mostrar o quão real um artista também pode ser, sabe.”

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Imagem: Instagram

Dentro da sua casa havia conversas sobre a autoaceitação da sua beleza negra ou também era um problema que atingia seus pais?

Jeniffer   Nascimento: Meus pais, quando eu era pequena, eles não falavam muito comigo sobre isso. Na verdade, a minha mãe sempre teve um papel muito grande na minha aceitação com cabelo. Ela sempre foi muito relutante de eu fazer química. Ela passava horas fazendo twist no meu cabelo toda semana. Ela levava de 10 a 12 horas fazendo twist no meu cabelo para eu poder fazer os testes, as publicidades. Mas eu sei que isso também afetou não só a minha mãe, como a minha avó. A minha avó passou pela transição capilar depois que eu já havia passado, já aos 69 anos. A minha mãe até hoje tem um cabelo liso, e ela sempre me falou que, para ela, assumir o cabelo natural seria acessar dores e lugares que ela não está pronta para lidar, sabe? Hoje, por muito tempo, eu insisti que ela passasse pela transição capilar, mas hoje eu também entendo que, para além de tudo isso que ela me conta, tem uma coisa de gosto também. Ela se sente bem com cabelo liso. Então, eu acho que é muito importante também a gente respeitar o livre-arbítrio das pessoas, para além de qualquer vontade externa, né? Então, de fato, isso foi uma coisa que foi passando de gerações. Minha avó alisava o cabelo com henê, minha mãe tem um cabelo liso, e eu fui a geração que veio para quebrar esse padrão.”

Pelo menos aqui na periferia, as mães ainda acham que reprimir características físicas ligadas à negritude é uma forma de proteger as filhas. O que diria a elas?

Jeniffer   Nascimento: Olha, esse é um tema muito complexo. Inclusive, eu tenho um testemunho para dar sobre isso, né? Quando eu era bem pequena, bebezinha ainda, a minha mãe nunca aceitou muito o nariz dela. Ela nunca gostou do nariz dela, justamente por muito preconceito na escola, e a gente sabe que os traços negroides não eram uma coisa muito bem-vinda. As pessoas nunca viram como belo. Graças a Deus, isso está mudando, mas, infelizmente, na época da minha mãe e da minha avó não. Então, quando eu nasci, a minha mãe fazia uma coisa que era ela molhava o dedo no suor da vela e ficava passando na cartilagem do meu nariz, esculpindo o meu nariz, para que o meu nariz ficasse mais fino e não achatado como o dela. E é impressionante como, de fato, isso fez diferença. O meu nariz é completamente diferente do da minha mãe e do meu irmão. Quando ela me contou isso, eu lembro que eu fiquei muito chocada, porque eu falei: ‘Meu Deus, ela ficou fazendo isso com um bebê, na intenção de já me proteger do que ela já sabia que viria, sabe?’ Eu fiquei muito assustada com tudo isso, e o que eu tenho para dizer hoje para as mães é que os tempos estão mudando, e nós precisamos ser agentes dessas mudanças, sabe? Então, a gente precisa exaltar as nossas crianças, a gente precisa exaltar a beleza dos nossos filhos. Cada ser é uma pessoa individual, cada um tem a sua própria beleza. Sabe, a individualidade é a beleza de cada um. Então, eu acho que isso é o que a gente precisa cada dia mais exaltar nas nossas crianças, que o ser diferente do outro é o que nos torna únicos e especiais.”

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