“Para Onde Voam as Feiticeiras” acompanha os improvisos cênicos de sete artistas pelas ruas do centro de São Paulo. A experiência cinematográfica torna visível a persistência de preconceitos de gênero e raça no imaginário da maior parte dos transeuntes. O filme, dirigido por Eliane Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral, reforça a importância da resistência política através das alianças entre coletivos LGBTQIA+, negritude, indígenas e trabalhadores sem teto.
“Foi um grande aprendizado. Fazer esse filme foi como fazer uma universidade. A gente vive num momento diferenciado. Grande parte da sociedade não acessa as lutas indígenas, LGBTQIA+, negras, o que essas lutas vem fazendo na vanguarda. Cheguei nesse filme sintonizada com um pensamento que ainda não tinha acessado essa vanguarda. Por isso eu achei importante manter as discussões que tivemos nas gravações”, conta Eliane Caffé sobre os conflitos ocorridos dentro do próprio elenco do longa composto por Preta Ferreira, Ave Terrena Alves, Fernanda Ferreira Ailish, Gabriel Lodi, Mariano Mattos Martins, Thata Lopes e Wan Gomez.
Embora o longa esmiúce as resistências que corpos marginalizados enfrentam na megalópole, também apresenta os pontos de tensão existentes dentro das batalhas dentro destes grupos. “É uma tentativa de fazer alianças entre essas lutas, mas a gente vai entendendo muitas coisas, como a identidade branca em que só se classifica os negros e indígenas, mas os brancos não, isso me pegou”, conta Caffé.
“Foi intenso, mas foi transformador. A realidade é que somos corpos conflituosos, socialmente falando. A gente viu como o sistema nos empurra um contra os outros, mas vimos que é possível fazer alianças e o propósito dessas alianças”, explica Preta Ferreira.
O conflito interno apresentado no filme serviu para fortalecer os laços fora das câmeras e expandir o entendimento dos participantes. “É tão intenso quanto o tamanho do estrago que a estrutura do país causou nas nossas vidas. Escravidão, usar o corpo para fazer cobaia, para expulsar de casa, estuprar. Cada um de nós temos uma ideia diferente de aliança. Moradia para os LGBTQ+ têm um sinônimo de ausência, já que muitas vezes somos expulsas de casa, já para os povos indígenas é ocupar a terra originária, para a Preta são os pontos de ocupação urbana”, acrescenta Ave Terrena.
Para Beto Amaral, homem gay, formar alianças com seus pares foi mais difícil que com as pessoas pretas e indígenas envolvidas na produção, o que revela a complexidade dessas lutas e as fraturas causadas pelo capitalismo na organização dos corpos excluídos.
Sobre os conflitos construídos de forma generosa e solidária, Ave acredita que as relações ficam mais sólidas, embora seja preciso refletir sobre os cancelamentos dentro do campo progressista. “Acho que isso se baseia numa ilusão de que algum de nós temos algum tipo de preponderância. O cancelamento vem de uma disputa interna, de uma contradição que ainda não foi encarada”, reflete.
“Somos seres humanos, encaramos a vida como seres humanos, só que acho que a extrema-direita não expõe os conflitos como a gente faz. Mas agora não estamos aceitando, estamos ocupando espaços e não será mais sobre como eles pensam, mas sobre quem somos nós”, conclui Preta Ferreira.
“Para Onde Voam as Feiticeiras” está em cartaz nas salas do Itaú Cinema
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