“Nosso Sonho”, a cinebiografia de Claudinho e Buchecha, tem data de estreia confirmada para 21 de setembro nos cinemas de todo o país. A presença feminina, como esperado, foi parte importante da construção da história da dupla, que foi uma das mais populares do país no fim dos anos 90 e começo dos 2000.
Lellê e Flávia Souza interpretam a namorada de Buchecha, Rosana (hoje esposa) e a tia Natalina, mãe quase adotiva dos músicos. As atrizes têm carreira musical no funk e hip-hop, sendo o cenário do filme algo presente em suas vidas reais. “ Ah, no meu caso, que migrei do funk pro hip hop, eu vivenciei o funk na sua totalidade. Eu ia para o programa da Furacão 2000, todos os bailes que você pode imaginar, os ônibus de galera, né? Inclusive eu tinha até o meu lugar marcado. Não era ônibus assim na rua, quem conseguia os ônibus era o pessoal da favela mesmo. E não era um, eram dois ônibus saindo de cada comunidade. Então essa efervescência do funk, esse desbravamento, de você sair e explorar geograficamente os lugares, os territórios, que era isso que a gente, os funkeiros, fazíamos, né”, conta Flávia.
Lellê, cantora e atriz que vem sendo rosto cada vez mais comum no cinema nacional também tem caso estreito com a música urbana. “No meu caso também através do funk, né? Muito mais na vida da minha mãe, porque a minha mãe era uma funkeira bem danadinha [risos] Entendeu? E acabou que… enfim, vai passando pelas gerações, eu também, né, com a coisa do passinho. O passinho me trouxe um universo totalmente libertador, totalmente novo, algo diferente, onde eu podia me expressar, expressar meus sentimentos. Eu sempre fui uma criança muito quieta, muito introvertida, e o passinho ele veio ali, me mostrando o caminho pra poder me expressar Foi aonde eu encontrei a minha vida, foi no passinho, foi no funk”, revela.
Eu já ouvia Claudinho e Buchecha, eles já estavam ali sendo reis e referênciano funk, né? Também tendo músicas de cria, músicas da favela, mas também falando de outras coisas, falando sobre amor, falando sobre a mina da favela, tratando as mulheres de uma outra forma. E eu acho que é isso, as histórias se cruzando, as gerações se cruzando, o poder que eles têm também de cruzar outras gerações assim, sabe? Isso é muito bonito.
Confira nosso papo com Lellê e Flávia Souza
Qual a importância de cada vez mais a gente contar a história dos nossos no cinema?
Flávia: Eu vejo que é uma importância até pra inspiração pros nossos, que não vê uma saída, uma possibilidade, que acha que não pode, que a gente sabe que isso acontece com a gente. A gente sempre acha que não pode, que não deve, então trazendo essa cinebiografia a gente vê o que eles passaram. Não foi tão fácil assim, mas foi tão gostoso também a maneira como eles acreditaram, né? É super importante que a gente tenha essas referências, a gente entender esses legados que são deixados, né, pra gente e poder inspirar também de fazer os outros depois, de fazer também, do Marcinho.
Eu falei com o Buchecha, eu estava falando de uma outra coisa, e ele estava muito arrasado, né? Porque ele estava falando, “Flávia, eu não sei lidar com morte”. Porque quando alguém da época dele morre, ele já se remete ao Claudinho, então ele já entra em tristeza profunda. Então, pra gente vê, né, como antigamente a gente era muito unidos
Lellê: Como você falou, assim… falando de referência, o quanto é importante, como a Flavinha falou, pros nossos, pra gente ter as nossas próprias referências… Quando eu abro, por exemplo, o streaming, e eu ver algum documentário, o que mais aparece é sobre documentário americano, histórias americanas, e eu acho que a gente tem uma cultura tão foda, tão diferente de tudo, de todos, assim, sabe? Tão único! E que eu acho que a gente não dá valor, é que a gente também não bate o pé pra ter, sabe? Então eu acho que é importante ter nossas próprias referências, nossos próprios filmes e documentários e histórias eternizados. Não esperar morrer pra isso acontecer. Com vida e em vida tudo fica melhor, né?
Eu queria entender de vocês se vocês enxergam o resultado final desse filme como algo que é fiel à história deles, que vai fazer jus….
Flávia: Olha, no meu caso, que além de atuar, ajudei na preparação do elenco, né? Eu fiz a preparação do elenco com a Tatiana Tiburcio e com o Márcio, e fiz a coreografia dos meninos, né? Então fui bem fiel! Deles ficarem chateados… “Não, não tinha essa corporeidade antigamente, essa saliência toda! Calma, é outra época!”. Era uma outra época, a saliência estava vindo ainda, né? Então eu tentei trazer assim a fidelidade. Não sei a sua idade – mas pro espectador que é da nossa época, vai sentar e chorar. “Nossa!”, eu estava falando aí com Lellê, “Lellê, eu vou ter que ir de óculos pro cinema! Porque eu já sei que eu vou chorar”. Porque isso diz muito sobre a nossa construção, né? Como a gente… a nossa juventude, aquela lembrança, o gatinho, não sei o quê, e como foi mudando as amizades, a época, a trajetória, o momento histórico que o funk deixou pro mundo! O Brasil é reconhecido no mundo com o funk.
Lellê: Eu não vi o filme ainda, tá? [risos] Eu não vi o filme ainda, eu não sei te dizer se vai ser corretamente, mas o que eu pude sentir e vivenciar no processo… É, tipo assim, cara! Ai, meu Deus! Nem consigo falar muito, porque vários momentos eu me emocionei durante o processo. Eu chorava durante o processo! Eu sentia coisas… Então, e eu acho que eu não vivi nada assim mais parecido com a minha realidade, parecido com a minha história assim, uma coisa extremamente louca. Mas eu acho que sim! Eu acho que vai ser muita gente que vai se emocionar e vai matar a saudade aí dessa dupla.
Eu queria que vocês falassem das personagens de vocês e a importância dessas mulheres na vida desses meninos e como elas influenciam na história deles…
Flávia: No meu caso, né, da tia Natalina, que é a tia do Buchecha, que criou ele, que ele morava com ela, né? Eu acho que ela deu muito suporte, como as nossas tias… “Ahh, quer fazer isso!”, né? Buchecha resolveu largar o emprego pra dar continuidade… imagina? Ah, ela deu suporte. Ia todo mundo pra casa da tia Natalina… comer, ensaiar. Depois ele arrumou uma namorada, que foi a Rosana, que pra ela foi a primeira namorada e assim que conheceu em casa e ele é casado até hoje! Com aquela menina! Lá da favela que… E eles moraram na casa da tia Natalina. A tia Natalina fortalecia, mantinha o contato com a mãe do Buchecha pra ele estar sempre sabendo que ele tem a família dele, que está ali dando suporte, que ele não foi ali largado à toa, né, foi pela segurança dele. Então é… eu cheguei a falar com tia Natalina, se não conseguir falar, porque quando eu ouvi a voz dela eu já comecei a chorar… É isso.
Lellê: No meu caso foi um desafio, porque eu sempre fui – e sou ainda, né? – suporte das mulheres da minha família. Eu nunca fui suporte de um pai, enfim, de alguma figura masculina, e às vezes o que eu sinto é que os homens negros nem sempre reconhecem e são gratos por isso. Mas no meu caso, vivendo a Rosana, a Rosana, além de ser muito paciente e amiga, ela foi muito parceira, ela é muito parceira dele. Ela realmente ama esse homem. Então, ter dois filhos dele, aguentar as fãs falando coisas… “Ah, não sei o quê, meu marido! Parãrã, parãrã…”, Nem sempre pareceu, na minha interpretação, um lugar confortável de viver. Mas tendo ali também a tia Natalina como referência na vida dele, eu acho que ela também seguiu esse caminho de base, de suporte… mas também se colocando como mulher. Assim, “Olha, eu sou a sua esposa e como é que fica?” e tal… E é isso, são casados até hoje e é uma história muito linda assim, cara, de parceria, sabe? E uma história que também me inspirou muito pra minha vida assim, sabe? É isso.
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