Entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX, o Rio de Janeiro foi o epicentro da chegada de mais de 2 milhões de pessoas negras escravizadas no Brasil. O documentário “Rio, Negro”, da Quiprocó Filmes, distribuído pela Pipa Pictures, aborda e demarca – por meio de entrevistas com grandes personalidades e intelectuais cariocas, além de imagens históricas – os processos sociais, políticos e as profundas transformações ocorridas naquele período no Rio devido à presença e à influência de pessoas negras de origem africana.
O filme estreou em fevereiro de 2023 no Brasil, sendo exibido em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Palmas, Balneário Camboriú, Porto Alegre, entre outras, e também integrou a seleção oficial do Dubai Festival 2023, o 47º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – ANPOCS (vencedor da Mostra de Longa-metragens), o 11º FIFER, o 9º Santos Film Fest 2023 (menção honrosa na Competição de longa-metragens), o 27th Inffinito Brazilian Film Festival 2023, o II Festival Casa Sueli Carneiro 2023 e o 12° Festival Internacional de Cine Político 2023. Concorre ainda na categoria Melhor Documentário sobre a Diáspora, no 19th African Movie Academy Awards, que acontecerá em 28 de outubro de 2023.

Foto de Elisângela Leite
Trazendo uma perspectiva afrocentrada sobre a formação da cidade, o documentário revela o protagonismo individual e coletivo da população negra, bem como a perseguição institucional que culmina na transferência da capital para Brasília também como uma estratégia de apagamento desta população. “Rio, Negro” apresenta argumentos históricos inéditos que articulam o ideário racista que molda nossas relações sociais, a mudança da capitalidade nacional e os efeitos políticos decorrentes desse processo sobre o Rio de Janeiro.
Com roteiro e direção de Fernando Sousa e Gabriel Barbosa, o longa conta com depoimentos de importantes ativistas do movimento negro, artistas, arquitetos e outros pensadores da cidade, tais como o ator Haroldo Costa, o escritor Luiz Antonio Simas, a vereadora Tainá de Paula, o carnavalesco Leandro Vieira, o ritmista Eryck Quirino, a atriz Juliana França, a ialorixá Mãe Meninazinha de Oxum, a historiadora Ynaê Lopes, os pesquisadores Christian Lynch, Nielson Bezerra e Eduardo Possidonio, entre outros.
“Em Rio, Negro, o período de transição entre a monarquia e a república é tratado como um momento crucial para a vida social e política da cidade. Foi também quando a população urbana pobre e preta se consolidou, se organizou e foi amplamente acossada pelo Estado. O filme vem pensar a cidade a partir da presença e contribuição dessa população, responsável pelo nosso modo de ser, nossa linguagem falada e corporal, nossas crenças, entre tantas outras características marcantes presentes no nosso cotidiano”, diz o diretor e roteirista Fernando Sousa.

Mãe Meninazinha de Oxum (Foto:Elisângela Leite)
Oprimida pelas instituições, a população negra oriunda de diferentes países da África era maioria naquele período. Assim, o Rio de Janeiro reunia negros alforriados, negros que ainda chegavam, seus descendentes, e por consequência, todas as práticas culturais, especialmente as práticas africanas herdadas, desenvolvidas e consolidadas ao longo do tempo, como o samba e o carnaval, fundamentais para o restabelecimento dos laços comunitários e para a construção de novas tecnologias e conhecimentos.
O marco narrativo de “Rio, Negro” culmina com a transferência da capital do país para o Centro-Oeste, na década de 1960, com a construção de Brasília. A transferência da capital já era prevista na Constituição de 1891 para trazer modernização e uma suposta segurança e estabilidade política na sede do poder.
A mudança, de fato, só veio a ocorrer em 1960, deixando o Rio de Janeiro sem qualquer projeto ou política pública direcionada às pessoas que dependiam do movimento da capital, especialmente as pessoas negras, constantemente excluídas dos processos de tomada de decisão. O documentário também expõe os argumentos racistas que deram base à transferência.
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