Elisa Lucinda estreia o inédito espetáculo “O Princípio do Mundo”

por | setembro 1, 2025

Partindo do pressuposto de que a primeira criatura humana foi feita por uma mulher, a Mãe do Mundo, o espetáculo inédito “O princípio do mundo” estreia dia 04 de setembro, às 19h, no Teatro Correios Léa Garcia, no Centro. Capitaneada por Elisa Lucinda, que assina a dramaturgia com Geovana Pires – a dupla que forma a Companhia da Outra – a peça marca ainda a estreia profissional do jovem ator Gabriel Demarchi. Com uma estrutura totalmente poética, a montagem parte de um recorte da obra de Elisa “Aviso da Lua que menstrua”, realizando um desdobramento sobre o fundamento do matriarcado e a orfandade do mundo dos ensinamentos dos povos originários, reiterando um movimento que convoca o público a se engajar numa cultura antibélica, em favor da paz.

“Estamos propondo uma ocupação menos predatória e menos violenta do mundo. É inadmissível que ainda hoje o masculino represente uma ameaça à vida de uma mulher, então desfilamos tais assuntos para fazer refletir, mas utilizando graça, beleza e humor nas palavras. Já estamos vivendo num mundo muito árido, que está carecendo de mais doçura. Na peça, a personagem ancestral, ao lado de seu jovem aprendiz, se embrenha numa saga de cenas que discorrem sobre o perigo do destino humano quando longe dos fundamentos matriarcais. Neste momento em que estamos, onde as pessoas não sabem como lidar com as crianças e os adolescentes, e muitos jovens estão órfãos de natureza e contatos presenciais, apresentamos um mosaico de ideias para a construção de uma cultura de paz”, adianta Elisa Lucinda.

Deste modo, o 7º espetáculo da companhia segue na contramão do que pensa o mundo ocidental e se conecta às sociedades africanas – como o ditado que diz que quando um ancião morre, morre uma biblioteca. Não à toa, esses povos têm como prática ritualística de convívio diário encontros onde os ensinamentos são passados através de histórias, fábulas, representações cênicas, cantos e outros fundamentos para os mais novos. De maneira que a juventude consiga, ao conhecer a sua história, assentar o presente neste passado. E quanto mais fortalecida se torna essa raiz, mais o futuro floresce.

“Para viver a Mãe do Mundo tivemos que atravessar essa ancestralidade, mergulhar num começo anterior à narrativa oficial que conhecemos. Se pensarmos bem, essa narrativa oficial da história do mundo, que entendemos como universal, inviabiliza os saberes antigos. Isso levou muitas gerações ao equívoco de verem a África, por exemplo, como uma aldeia, e não um continente com 54 países, cuja contribuição cultural é muito importante para o realinhamento saudável deste mesmo mundo. Eu me sinto em estado de gratidão com os meus fundamentos ao viver essa mãe”, vibra Elisa com a nova personagem.

Algo nem sempre comum, a dramaturgia foi sendo construída à medida em que os ensaios foram acontecendo, o que mudou bastante a concepção do espetáculo. “É uma diferença enorme, enquanto estou fazendo a dramaturgia eu já estou dirigindo, direcionando para as cenas que considero potencialmente teatrais. Essa construção deixa tudo vivo, menos engessado. É uma entrega absoluta, é como se fôssemos guiadas por esse deus do teatro que vai dizer como espiritualmente o espetáculo deve existir. E abrimos o nosso canal criativo para criarmos uma conexão com esse divino que é o teatro”, acredita Geovana Pires.

Entusiasta do que chama de “risco da criação”, Elisa pondera sobre o arcabouço poético do texto cênico, o seu primeiro todo escrito com rimas. “É a primeira vez e é de propósito. Queremos que o texto seja uma estrela. Acredito na palavra como ouro, assim vejo a força da cultura oral. Nossa companhia nunca construiu um texto totalmente poético, principalmente nos diálogos. Por outro lado, somos especialistas, e digo sem medo, em encenar poesia. Embora seja mais assinado por mim, o texto tem versos inteiros de Geovana e, inclusive, um poema do próprio Gabriel. Geovana é uma dramaturga muito experiente, e é muito confortável você estar ao lado de uma dramaturga que também é diretora, porque ela já pensa em cena”, observa a multiartista.

Estreando no teatro profissional tão bem acompanhado, Gabriel Demarchi já entra no palco revelando a potencialidade de seus múltiplos talentos. Além de dividir a cena com Elisa Lucinda, é do jovem de 14 anos a missão de embalar trechos da peça ao som do kamale ngoni, instrumento também conhecido como harpa africana. “Aprendi a tocar em cerca de duas semanas. Foi um desafio rápido, mas muito gostoso, porque o som tem tudo a ver com o clima da peça e me conectou ainda mais com a história. Estrear tão jovem, e já podendo mostrar meu trabalho como ator e também meu lado musical, ainda mais ao lado de pessoas que admiro tanto, está sendo uma experiência incrível”, comemora Gabriel.

Considerando tanto o poder da palavra em si, quanto o encantamento que ela produz, com esta montagem a Companhia da Outra realiza um elogio à velhice, por entender que temos muito a aprender com a ancestralidade. “Convidamos o público a confiar no tesouro que o ser humano é, com seus recursos e saberes antigos que moram em nossa memória e precisam ser resgatados. Nas sociedades indígenas e africanas o velho é considerado um sábio. Em sua volta, toda aldeia se reúne para desfrutar de seu saber e o melhor, o jovem gosta do abrigo dessa sabedoria. Estamos convictos de que a natureza é uma escola que não fecha”, finaliza Elisa Lucinda.

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