Preto e dinheiro são palavras rivais? Para Kayode, não. No EP HELENA, que será lançado nesta quinta-feira (25), o rapper paulistano mostra que é possível unir convicções, identidade e sobrevivência no capitalismo atual.
Produzido em parceria com 808 Luke, o projeto traz nove faixas — sendo oito inéditas — e se inspira diretamente nas lições de dona Helena, avó de Kayode, que sempre o incentivou a correr atrás do próprio sustento sem abrir mão de quem é.
“Durante muito tempo achei que minha avó não gostava de rap, mas percebi que ela só queria que eu entendesse a realidade. O capitalismo é brutal e a gente precisa sobreviver dentro disso”, reflete o artista, que transforma essa epifania no fio condutor do EP.
Sonoramente, HELENA explora referências da América Latina, refrões que soam como mantras e texturas brasileiras: bateria inspirada no samba, saxofone e flows em diferentes cadências. Kayode ainda reforça sua bandeira de sempre — o underground segue firme produzindo trabalhos de qualidade, mesmo que a indústria mainstream muitas vezes não enxergue.
O EP conta com participações de Victor Xamã, Minixtra, GVS, Furia, DJ MichaCNR e Nuria. “São artistas que admiro e com quem tenho afinidade. Tudo fluiu naturalmente”, comenta.
2025 tem sido um ano de movimentações intensas para o rapper. Em maio, lançou Nuvens & Ovelhas Negras (NON), em parceria com Iky Castilho, com foco em resistência e acolhimento sonoro. Já em setembro, antecipando o lançamento de HELENA, Kayode dirigiu o audiovisual de Fé nas Crianças, captando imagens do cotidiano em seu bairro. O clipe já está disponível em seu canal no YouTube.
Com HELENA, Kayode prova mais uma vez que a cena independente continua relevante, inventiva e necessária e nós conversamos com o rapper para saber um pouco mais:
Trace Brasil: O que a galera pode esperar do projeto?
Kayode: O público, com certeza, pode esperar uma roupagem elegante para esse EP. Mas, ao mesmo tempo, ideias e reflexões extremamente pessoais e comuns, questões do cotidiano que orbitam a atmosfera de quase todos nós.
T: Como foi o processo criativo em parceria com o 808 Luke?
K: O processo criativo com Luke fluiu naturalmente. Na verdade, grande parte das composições e letras saíram em poucos dias. Eu sabia o que queria trazer para esse projeto, e o Luke já tinha instrumentais bem potentes. O projeto, que começou no final de 2024, vem sendo lapidado e estruturado desde então.
T: O EP aborda os aprendizados que teve com a sua avó, Dona Helena. Poderia nos contar alguns dos conselhos que ela te passou ao longo dos anos?
K: O EP, na verdade, vem nesse lugar de descoberta e entendimentos. Não é exatamente sobre os conselhos que ela me dava. Até porque eu não enxergava assim. Por muito tempo, achei que minha vó não gostava do tipo de música que eu produzia, e essa não era a questão. Ela estava tentando me alertar sobre as verdadeiras questões que implicam em ser um artista negro, periférico e idealista demais no Brasil.
T: Qual a importância de trazer essa homenagem no projeto?
K: Meu trabalho, embora pouco reconhecido, é quase sempre associado à ancestralidade. HELENA é uma espécie de lembrete. O trecho que diz “descobri que além de ser um anjo” em ‘Fé nas Crianças’ (primeira música do EP), fazendo referência à canção “Por Que É Proibido Pisar Na Grama” (Jorge Ben), é propositalmente um indicativo de que tudo isso não está acontecendo pela primeira vez. O que fica claro quando o verso se resolve com a continuação da rima, que dá sentido diferente ao verso original de Jorge Ben. “Descobri que além de ser um anjo. Tudo que eu vivo é herança” A palavra herança surge não só com o tom irônico, fazendo provocação aos herdeiros do que foi o Brasil colônia. Mas para expressar a ideia de que essa luta por sobrevivência e qualidade de vida foi e continua sendo a realidade das pessoas que vêm de onde eu, Dona Helena e muitos outros vieram.
T: Você aborda a sua relação com o dinheiro e um pouco desse paradoxo entre fazer grana e manter os ideais. Durante a produção, teve alguma conclusão ou mudança de visão quanto a sua relação com a grana? Qual?
K: Toda materialidade desse projeto é resultado de uma grande mudança na minha concepção e percepção do que é o dinheiro. Não estou aqui tentando dizer que antes eu não queria dinheiro e agora eu quero. Pelo contrário, digo que se antes eu pensava no dinheiro como algo que nos colocaria em pé de igualdade com a elite burguesa, hoje entendo que é justamente o que nos separa. O dinheiro é o idioma universal, mas ainda assim tem diferentes significados para diferentes pessoas em diferentes situações. O que para poucos pode significar controle, poder e privilégio; para muitos pode significar liberdade, possibilidades, e eu particularmente gosto da palavra vingança nesse contexto.
0 comentários