Na ultima quinta-feira (27), a artista Yurungai, 29, lançou seu novo single Amar alguém em todas as plataformas de música. Nascida no Jardim São Luís, periferia da zona sul de São Paulo, Yurungai — que significa “boca-cantar” em tupi-guarani — é uma artista não binária e afroamerindígena que transformou sua jornada de superação pessoal em arte.

Após enfrentar depressão, encontrou na música seu caminho de cura e reconexão ancestral. Com uma trajetória que atravessa continentes, Yurungai viveu três anos em Moçambique, experiência que redefiniu sua identidade artística e espiritual. Foi lá que se iniciou na mbira — instrumento tradicional do centro de Moçambique e Zimbábue — e mergulhou nas raízes africanas que hoje permeiam sua obra.

Em 2024, a artista sofreu ataques racistas, misóginos e homofóbicos  após ter cantado o hino nacional em linguagem neutra no comício de Guilherme Boulos (Psol), à época candidato a prefeito da cidade de São Paulo.

Do laboratório ao palco

Antes da música, Yurungai cursou Química Forense na Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), mas logo percebeu que aquele não era seu caminho. Ao migrar para Filosofia na universidade, descobriu sua verdadeira vocação. Foi durante a graduação que se inscreveu em um intercâmbio e partiu para Moçambique, na cidade de Maputo, decisão que mudaria sua vida definitivamente.

Moçambique permitiu que Yurungai se encontrasse espiritual, ancestral e musicalmente. Ela canta profissionalmente desde 2017, mas no país africano, formou a coletiva Basadi ba Mintsu com outras três artistas da música e viveu intensamente a cena musical local até o final da pandemia, quando retornou ao Brasil, em 2022.

Sonoridade de transmutação

A música de Yurungai reinterpreta a MPB por meio de uma lente afrodiaspórica singular. Com a mbira como elemento central, ela cria arranjos que transitam entre Brasil e África, construindo pontes sonoras entre os dois continentes. Seu trabalho é descrito como uma “sonoridade de transmutação e cura”, em que ancestralidade e contemporaneidade dialogam.

A artista também experimenta com a linguagem: suas composições misturam português, inglês, espanhol e idiomas africanos, criando uma polifonia que reflete sua própria multiplicidade identitária como pessoa afroamerindígena e não binária.

Sobre Amar alguém, o novo single

Composta em 2019, no início de sua jornada de conhecimentos sobre a mbira, com mestre Saíde, em Moçambique. “Eu precisava falar sobre a transformação que vivemos quando amamos alguém, em nossa experiência humana”, diz a artista.

Para ela, o estado de amor nos permite reconhecer a outra pessoa como um espelho de nós mesmos. Nesse reflexo, vemos escancaradas nossas dores antigas, medos e inseguranças, assim como nossa beleza, resiliência e o respeito com que lidamos com as emoções — tanto da pessoa amada quanto as nossas.

Como canta Yurungai, “amar dói” porque transformar-se em alguém melhor no amor e a partir dele é, de fato, doloroso. Transformações doem porque rompem com os conformismos de outrora e nos colocam diante do novo, do genuíno, do que está mais próximo da verdade do ser.

Em Amar alguém, a artista assina o arranjo da música, a mbira sofisticada, a voz jazzísticamente aveludada, o baixo denso e a produção musical, convidando profissionais da percussão,  bateria e saxofone para compor o som interno específico de Yurungai.