A criação de tecnologias por mulheres negras como estratégia de resistência

por | abril 8, 2024

*Juliana Gonçalves, gerente do Bioma Comunicação Ancestral

As mulheres negras têm desempenhado um papel fundamental na criação e preservação das tecnologias ancestrais desde os tempos antigos. Essas práticas, transmitidas de geração em geração, são uma forma de resistência e empoderamento para essas comunidades.

A inovação não se limita apenas aos avanços modernos e às novidades digitais. No episódio “Comunicação ancestral: a tecnologia que atravessa o tempo” do BiomaCast, uma iniciativa do Bioma Comunicação Ancestral, um dos convidados, Tarcísio Silva, nos lembra que ela pode ser também uma ferramenta de compartilhamento, uma forma de conexão e preservação da cultura e dos conhecimentos transmitidos ao longo dos tempos. Nesse contexto, as mulheres negras se destacam como protagonistas, criando soluções inovadoras que refletem suas necessidades e realidades.

A tecnologia ancestral é uma referência aos conhecimentos, habilidades e práticas desenvolvidas por povos antigas ao longo do tempo para atender às necessidades básicas e realizar atividades cotidianas. Elas são compartilhadas oralmente ou por meio de práticas culturais, que podem ser frequentemente adaptadas ao ambiente natural e às condições locais. A construção do que é tecnologia ancestral é uma reflexão profunda que nos leva a repensar nossas perspectivas sobre inovação e progresso. No cenário contemporâneo, essa estratégia emergiu como um recurso poderoso de resistência e empoderamento.

O poder da criatividade

É crucial refletir sobre as “inovações acessíveis” que surgem nas periferias, onde a criatividade e a resiliência são essenciais para enfrentar os desafios do cotidiano. Essas comunidades estão desenvolvendo soluções tecnológicas para abordar questões específicas, desde o acesso à saúde e educação até a luta por justiça social e econômica. Exemplos dessas inovações incluem a preservação da culinária tradicional, artesanatos, artes performáticas e outras formas de compartilhamento, que se tornaram fundamentais para garantir a continuidade das comunidades.

Muitas mulheres negras desempenham um papel central na preservação dessas práticas ancestrais em diversas áreas da vida cotidiana e da cultura. Essas tecnologias refletem a sabedoria acumulada ao longo das gerações e desempenham um papel crucial na preservação da cultura, identidade e autonomia das comunidades ao redor do mundo.

Essa herança milenar está emergindo cada vez mais na atualidade. Um exemplo disso é o livro “Griots e tecnologias digitais”, que explora as interseções entre a comunidade e o ativismo na era digital. A obra aborda como os griots, tradicionais contadores de histórias da África Ocidental, estão utilizando a internet e as mídias sociais para preservar e compartilhar suas histórias e tradições culturais de maneira mais ampla. Ao mesmo tempo, o livro discute os desafios enfrentados ao equilibrar a autenticidade de suas narrativas com a natureza digitalizada do mundo contemporâneo. Destaca-se a importância de encontrar um equilíbrio entre tradição e inovação para garantir a preservação das ricas culturas e histórias transmitidas pelos griots para as futuras gerações.

Um exemplo marcante apresentado no livro é o de Zélia Amador de Deus, uma griô da luta contra o racismo no Brasil. A partir de sua tese de doutorado, intitulada “OS HERDEIROS DE ANANSE: movimento negro, ações afirmativas, cotas para negros na Universidade”, ela estabelece uma conexão entre Ananse e as lutas contemporâneas dos afrodescendentes no Brasil, especialmente na região da Amazônia paraense. Zélia relaciona as histórias e os ensinamentos de Ananse com as ações de resistência e as demandas por igualdade racial, incluindo a implementação de políticas afirmativas, como as cotas para negros nas universidades.

As mulheres negras na Amazônia incorporam esse legado ancestral em suas práticas cotidianas, incluindo o ativismo digital. Elas utilizam as histórias e os ensinamentos de Ananse como fonte de inspiração e empoderamento para enfrentar os desafios contemporâneos, como o racismo estrutural e a marginalização nas plataformas digitais.

Reconhecer e valorizar o trabalho das mulheres negras na tecnologia é essencial para construir um futuro mais justo e inclusivo, valorizando esses conhecimentos e promovendo a igualdade de oportunidades.

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