Cia. do Despejo faz crítica à necropolítica brasileira no espetáculo de teatro-dança ‘IRETI’, inspirado na mitologia Iorubá

por | maio 2, 2024

A distopia narra a história de uma mãe preta que pariu o Brasil e, depois de ser preterida pela nação, reivindica seus direitos de criação

Em maio, a Cia. do Despejo estreia o espetáculo de teatro-dança “IRETI”. A obra é uma crítica à necropolítica brasileira e às violências sofridas pelas mulheres negras em nosso país. As sessões acontecem nos dias 17 de maio, às 19h30, no Teatro Municipal de Mauá; 31 de maio, às 19h30, no Teatro Elis Regina, em São Bernardo do Campo; e 15 de junho, às 19h30, no Teatro Carlos Gomes, em Santo André.

A montagem, que tem dramaturgia de Ingrid Alecrim, direção de cena de Carmem Soares, direção de movimento de Carol Ewaci e direção musical de Helena Menezes, é inspirada na mitologia Iorubá, sobretudo na figura de Nanã Buruku, orixá que cedeu a lama do seu domínio para a criação dos corpos humanos. Ela também é responsável pela desencarnação, uma vez que exige de volta a matéria criadora da vida.

“O texto surgiu da ideia persistente de que o Brasil (conforme nominado após a colonização) foi parido e aleitado por mulheres indígenas, africanas e afrodescendentes. “Nosso ‘mundo’ foi e é moldado através das mãos dessas mulheres e, muitas vezes, contra suas vontades”, revela a dramaturga Ingrid Alecrim.

A narrativa é conduzida por uma mãe preta e pobre, a personificação de Nanã Buruku. Ela ergueu o Brasil com os próprios braços, mas foi preterida pelo país e, agora, mergulhada em um contexto de miséria, violência, fome e terror, assiste a seus filhos serem mortos e presos e a suas filhas serem estupradas.

Foto: Duda Viana

A matriarca furiosa reivindica seus direitos de criação, exige que a matéria humana retorne para si e procura alguma maneira de acabar com o mundo em desequilíbrio. A personagem é inserida em uma distopia, na qual as guerrilhas urbanas e rurais expandem uma guerra contra a governança brasileira.  E, nesse contexto, ela reflete sobre o que precisa ser mudado se quisermos viver em um país mais justo e menos violento.

“Ela toma as rédeas da existência humana, se colocando como uma figura central da história do Brasil, e não aceita ser musa, escrava, empregada ou ladra. Ela deixa de ser protagonista de uma história silenciada e solitária e se assume como protagonista da nação. Com essa história, a Cia do Despejo, da qual sou cofundadora, valoriza as narrativas das mulheres brasileiras ao dar voz às verdades desagradáveis, às culturas afrodiaspóricas depreciadas e à configuração de uma realidade apocalíptica convergente com os acontecimentos atuais”, comenta a autora.

Além de denunciar vários tipos de atrocidades cometidas contra a população negra desde a colonização, a peça tem a proposta de valorizar as ancestralidades.

“A todo momento são reavivados saberes e costumes ancestrais que chegam a nós através da afrodiáspora e das culturas orais indígenas. Ritos de cura e presenças míticas permeiam a narrativa e seus acontecimentos. A mitologia Iorubá chegou ao Brasil por meio das pessoas escravizadas e sobrevive através de muita resistência, também inevitavelmente mesclada à cultura do colonizador”, acrescenta.

Foto: Duda Viana

O figurino criado por Duda Viana funciona como uma segunda pele, obedecendo aos tons terrosos do cenário e fazendo uma alegoria das figuras a serem interpretadas. E as máscaras de Cleydson Catarina contribuem para a potência da encenação.

O texto de “IRETI” ficou em 4º lugar no edital de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos, realizado pelo CCSP – Centro Cultural São Paulo em 2019 e, em 2021, foi exibida uma versão no formado de videoarte online pelo canal da Cia. Mungunzá de Teatro no YouTube. Com essa circulação, o espetáculo finalmente chega aos palcos no formato idealizado pela companhia desde o começo das pesquisas.

SINOPSE

A narrativa é guiada por uma mãe preta inspirada na personificação de Nanã Buruku. Na história ela aparece como a mulher que pariu e levantou com seus braços o Brasil. País que a pretere, mata seus filhos e lhe relega a ingratidão e as sobras.

Vislumbrando este mundo onde suas crianças vivem numa realidade cruel de fome, violência e dor, ela deseja a matéria da criação de volta para si, buscando uma maneira de acabar com um mundo desequilibrado. Nana reivindica seus direitos a uma boca que fala e a mãos que tanto curam quanto matam. Ela se assume como a terra aberta, pulsando e se preparando para voltar ao início.

SERVIÇO

IRETI, da Cia do Despejo
Duração: 90 minutos
Classificação: 16 anos

TEATRO MUNICIPAL DE MAUÁ
Data: 17 de maio, às 19h30
Endereço: Rua Gabriel Marques, 353 – Centro – Mauá
Ingresso: gratuito | Retirada na bilheteria 1 hora antes do início do espetáculo

TEATRO ELIS REGINA
Data: 31 de maio, às 19h30
Endereço: Av. João Firmino, 900 – Assunção – São Bernardo do Campo
Ingresso: gratuito | Retirada na bilheteria 1 hora antes do início do espetáculo

CINE THEATRO DE VARIEDADES CARLOS GOMES
Data: 15 de junho, às 19h30
Endereço:  R. Sen. Flaquer, 110 – Centro – Santo André
Ingresso: gratuito | Retirada na bilheteria 1 hora antes do início do espetáculo

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