Dudu Nobre lança álbum ‘Sambas de Exaltação RJ’, com regravações e inéditas

por | fevereiro 15, 2022

O sambista está pronto para entrar na Avenida, coração aos saltos. Setecentos metros o separam da consagração na Praça da Apoteose – aos gritos de “é campeã” –, ou da tristeza por ver sua agremiação fazer um desfile ruim. É preciso injetar uma dose extra de vibração naquelas quatro mil pessoas que se preparam para pisar no asfalto-sempre-quente da Marquês de Sapucaí. Neste momento, todos os puxadores usam a mesma (e certeira) tática: cantar um samba-exaltação. É ele que faz o componente bater no peito, que arranca a lágrima furtiva, que eleva a temperatura da concentração.

Não há nada mais emocionante do que ouvir o hino informal de sua escola minutos antes de ela entrar na Passarela. Depois de décadas vivendo de perto esta emoção, Dudu Nobre resolveu compartilhar com seu público este sentimento, gravando as obras mais emblemáticas das maiores escolas de samba do Rio. “Sambas de Exaltação RJ”, lançado na última sexta, dia 11, é álbum pra curtir com a perna bamba, ouvindo a sirene tocar, vendo o portão abrir, levantando os braços pra festejar com as arquibancadas.

A tarefa de selecionar as 15 faixas não foi fácil, afinal a maioria das agremiações tem vários lindos sambas falando de si próprias. O critério da escolha foi o da emoção: aquele que vai tocar mais forte o coração do sambista. E de imediato algumas pérolas se impuseram, como “Torrão amado” (Buguinho / Iraci Mendes), do Salgueiro; “Pavilhão do amor” (Jair Guedes / Toninho Gentil / Soneca / Jorge Magalhães / Marcelo Luiz), da Estácio de Sá; e “Deusa da Passarela” (Neguinho da Beija-Flor), da Beija-Flor.

Os torcedores de Portela e Mangueira ouvirão dois grandes clássicos da música brasileira na voz de Dudu Nobre: “Portela na Avenida” (Paulo César Pinheiro / Mauro Duarte) foi eternizada por Clara Nunes e faz um emocionante paralelo entre a entrada da Águia na Avenida e a procissão de Nossa Senhora Aparecida. Já “Exaltação à Mangueira” (Aloísio Augusto da Costa / Enéas Brittes da Silva) nos ensinou que o cenário da verde e rosa é uma beleza que a natureza criou – e a voz de Jamelão ainda ecoa anunciando que a Mangueira chegou.

Outra característica do repertório é ter grandes compositores assinando as músicas. O craque Toninho Geraes, autor de sucessos como “Mulheres e Seu balancê”, assina Rainha de Ramos (Guga / Preto Jóia / Toninho Geraes), da Imperatriz. Já Rodolpho, que fez o inesquecível “Kizomba”, também compôs “Sou da Vila e não tem jeito” (Jorginho Saberás / Rodolpho / Vilani Silva), da Vila Isabel. Duas vozes marcantes do carnaval carioca assinam sambas para escolas onde fizeram história: Dominguinhos do Estácio fez o “Samba exaltação” (Gilberto Gomes / Rubinho / Nando / Dominguinhos do Estácio / Gustavo Clarão), da Viradouro; e Aroldo Melodia compôs o “Azul, vermelho e branco” (Aroldo Melodia / Leôncio da Silva), da União da Ilha. O samba da Grande Rio também é assinado por um grande puxador, Wander Pires: Ao passar (Wander Pires / Mingau / Marquinho FM).

Duas faixas foram especialmente emocionantes para Dudu Nobre no estúdio, por se tratarem de escolas com que estabeleceu forte relação ao longo de sua trajetória como sambista. “Cartão de identidade” (Jorge Carioca e Djalma Crill) foi usada como alusivo nas gravações da Mocidade Independente por muitos anos, e até hoje é uma marca da verde e branco de Padre Miguel. Já “O dia vai chegar” (Júlio Alves) é a canção que costuma sacudir a quadra da Unidos da Tijuca, a escola mais vencedora da última década. O curioso é que estes dois sambas quase não têm gravações, o que dificulta que o público tenha acesso a eles. Dudu Nobre preenche essa lacuna em registros eletrizantes.

Outros dois sambas são inéditos e reforçam a importância do álbum “Sambas de Exaltação RJ” ao registrar obras amplamente cantadas nas quadras da cidade, mas que não tinham gravação definitiva: “A São Clemente vem aí” (Wilson Magnata), da São Clemente; e “Exaltação ao padroeiro São Sebastião” (Daniel Silva), da Paraíso do Tuiuti.

Por fim, há um samba sui generis na lista: “Estrela de Madureira” (Acyr Pimentel / Cardoso) foi composto para o Império Serrano como um samba-enredo, na disputa do Carnaval de 1975, para o enredo em homenagem à vedete Zaquia Jorge. A obra foi derrotada na quadra e acabou não indo para a Avenida, mas sua qualidade era tão grande que se instalou no imaginário do componente imperiano e ganhou sobrevida. Já foi gravada por nomes como Roberto Ribeiro, Leci Brandão e Jorge Aragão, até hoje é cantada nos ensaios e, embora não tenha nascido com esse propósito, virou uma espécie de samba-exaltação da verde e branco da Serrinha.

Ao criar a concepção da sonoridade do disco, Dudu Nobre teve uma preocupação: registrar as canções da forma como elas são ouvidas na Marquês de Sapucaí, preservando as características de cada escola e reforçando a identificação com os torcedores. Por isso, estão lá o agogô do Império Serrano, a afinação invertida das marcações da Mocidade, o surdo um da Mangueira, entre outras peculiaridades. Para ajudá-lo na tarefa de vestir da melhor forma as músicas, Dudu convocou os arranjadores Rafael Prates, Kayo Calado e Victor Alves. Na batucada, estão nomes habituados a botar a Avenida abaixo, como os diretores de bateria da Vila Isabel, Macaco Branco, e da Mangueira, Wesley e Alyson Oliveira.

Percorrer as 15 faixas de “Sambas de Exaltação RJ” é como atravessar a Avenida Marquês de Sapucaí e chegar à dispersão com a sensação de dever cumprido. Dudu Nobre presenteia a cultura popular com um documento histórico da produção musical dos quilombos modernos que são as escolas de samba. Muitas das tradições que perpetuam as características dessa manifestação cultural são passadas para as próximas gerações de forma oral. Registrá-las é garantir sua sobrevida. Dudu aprendeu isso nas últimas décadas pelos ensinamentos da Velha Guarda – e, hoje, compreende a importância de se preservar esta memória para as Alas de Crianças que vêm por aí. Olha para o passado com a vibração do presente para garantir o futuro. Ele sabe que essa é a missão de todo sambista. E cumpre seu papel da melhor forma possível: fazendo música de qualidade.

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