Uma mulher preta carrega histórias de outras mulheres pretas que vieram antes dela, histórias ancestrais que não podem ser esquecidas e precisam ser resgatadas, contadas e recontadas. E a escritora e dramaturga Valesca Lins imputou a si mesma essa missão. Missão que já foi bem sucedida em sua primeira incursão na literatura: o livro de contos “Minhas conversas florescidas no khat”, pelo qual ganhou o Prêmio Literário Maria Firmina na categoria Ficção.
E não poderia haver distinção mais significativa e representativa! Batizado em homenagem à primeira romancista negra brasileira, a maranhense Maria Firmina dos Reis, o prêmio é fruto da urgência de projetos que prestigiem, valorizem e propaguem a produção literária e intelectual de figuras negras. Idealizada pela Casa de Cultural e Produtora Cultural A\Borda, com apoio da Festa Literária das Periferias (Flup), a iniciativa visa a reconhecer a importância dos negros para a literatura brasileira e a valorizar sua produção intelectual, as afrofilosofias e os saberes diaspóricos.
Em “Minhas conversas florescidas no khat”, Valesca Lins inspira-se no kemetismo, reavivamento contemporâneo da filosofia do Antigo Egito (Kemet – terra negra), de onde vem a palavra “khat”, que significa templo, corpo: dois espaços de muitos significados para o negro, espírito e matéria, religiosidade e sexualidade, elevação e objetificação.
Os nove contos do livro apresentam pessoas comuns dos subúrbios cariocas, cujas histórias são atravessadas pelo racismo. A “escrevivência” – termo criado pela sempre inspiradora escritora e linguista Conceição Evaristo – de Valesca mostra justamente como o racismo impacta a vida do povo preto pelos mais diversos aspectos: emoções, relações amorosas, saúde mental, perspectivas de vida, oportunidades profissionais; tanto pelo viés político quanto pelo econômico.
A obra traz personagens dos séculos 19, 20 e 21 – tanto atuais como também do afrofuturismo. Não são apenas memórias internas, mas também conversas com o externo, falando sobre amplificação das vozes e sobre superação individual. A narrativa de Valesca é contundente e afrodiaspórica, tendendo para a oralidade, tão valiosa para seus ancestrais.
Toda essa potência está também no primeiro texto teatral de Valesca Lins: “Estágio do espelho”, que reflete conceitos da psicanálise, objeto de estudo e interesse da autora. A peça – em fase de captação – conta a história de Ainá, uma mulher preta de classe média, atormentada por um alter ego branco que ela decide enfrentar. O drama expõe fragmentos de pressões psicológicas vividas pela pessoa negra, sob influência de uma sociedade norteada pelo conceito de supremacia branca, em que a consciência da negritude é a principal arma de resistência às constantes tentativas de aniquilamento do eu verdadeiro de cada preto, cada preta.
A carioca de 44 anos, apaixonada pelo Flamengo e pela Portela, mãe de Marina Morena, pedagoga da rede pública e estudante de psicanálise tem muito a dizer e não para de produzir. No momento, está mergulhada em mais um livro de contos que está escrevendo sobre o Rio de Janeiro, já em negociação com editoras.
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