“Faz-se urgente entender o passado, compreender o agora e projetar uma possibilidade de futuro”. O conceito, apresentado pelo histórico dramaturgo brasileiro Abdias do Nascimento, a partir do famoso adinkra africano de nome sankofa, é uma das referências do solo “Travessia”, com o ator Felipe Oládélè, que tem apresentações neste domingo, dia 12 e na próxima quarta, 14, no Sesc Palladium, na programação do projeto Criações de Bolso.
Depois de circular pelo Brasil e pelo mundo, em apresentações do espetáculo “Preto”, da Companhia Brasileira de Teatro (com direção de Márcio Abreu e dramaturgia de Grace Passô e Márcio Abreu) e da peça “Chão de Pequenos” da Companhia Negra de Teatro (da qual é fundador), o ator está de volta a Belo Horizonte para estrear o seu primeiro solo nos palcos e também o primeiro trabalho após a reabertura dos teatros na capital mineira.
Em cocriação com os dançarinos Rodrigo Antero e Rafael Batista, “Travessia” articula teatro, dança, música e performance, apresentando em sua dramaturgia elementos como mar, DNA, família, busca de si, identidade, nome, sobrenome e mascaramento. A encenação traz elementos do corpo e do movimento, numa pesquisa de linguagem sobre diferentes danças de matrizes africanas e afrobrasileiras. Som e música também estão presentes em cena, com sonoridades e instrumentos como o saxofone tocado ao vivo e a percussão.
A performance evoca a ancestralidade negra e dialoga com o público a partir desse movimento ancestral, que fala sobre passagem, herança, coroação, celebração, tambores, metais, sobre atabaques, rituais, corpo, voz, matérias, que é bicho, é homem, é existência, persistência, história, que é a tentativa de ir em encontro a essência. Nesse sentido, a proposta dialoga diretamente com o debate contemporâneo no campo das artes a partir de uma perspectiva racial, social e política, que avança nas discussões sobre as identidades.
Produzir novas memórias, novas imagens e novas pontes para a subjetividade. Se faço do meu corpo território, como constituí-lo uma nova terra? Como repovoar a existência? Para Felipe, em “Travessia” foi necessário conectar todos os vestígios que estavam ao seu alcance e inventar novos fragmentos para preencher lacunas que foram apagadas sem a possibilidade de restituição. Assim, a inquietação para o novo espetáculo está vinculada à necessidade de recomposição daquilo que o próprio artista desconhece e que também o constitui.
Tendo também como referência o filósofo camaronês Achille Mbembe, a montagem abre espaços para que as pessoas espectadoras se questionem e possam refletir sobre uma prática de reparação histórica. Conforme ele escreveu no livro “Crítica da razão negra”: “Para constituir o mundo que nos é comum, será preciso restituir àqueles e àquelas que foram submetidos a processos de abstração e de coisificação na história a parte de humanidade que lhes foi roubada. Nessa perspectiva, o conceito de reparação, além de categoria econômica, remete ao processo de recomposição das partes que foram amputadas, a reparação dos laços que foram rompidos, o reinício do jogo de reciprocidade sem o qual não pode haver elevação em humanidade”.
Na equipe da montagem estão: Cris Diniz na criação de luz, Felipe Storino e Carlos Felipe na criação de trilha sonora, Evandro Passos na pesquisa em dança de matrizes africanas e afrobrasileiras, Carlos Felipe na pesquisa em percussão e Marcella Pinheiro na produção. “Travessia” fica em cartaz nos dias 12, às 18h, e 14, às 20h, no Teatro de Bolso do Sesc Palladium. Os ingressos custam de R$8 a R$ 20 e podem ser adquiridos pela internet, no Sympla.
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