Entrevista exclusiva: Filme perdido com Sidney Poitier, satisfação por homenagens e outras histórias da lucidez preciosa de Léa Garcia

por | abril 25, 2023

Léa Garcia é uma lenda do cinema brasileiro e uma das fontes de memória viva que temos sobre as transformações que a TV e o cinema passaram em nosso país. Indicada ao prêmio de Melhor Atriz em 1957 por sua atuação no clássico “Orfeu Negro”, Garcia conversou com a Trace Brasil sobre o feito e outras histórias como se as tivesse vivenciado há apenas algumas horas com uma precisão de detalhes impressionantes e com incisividade ímpar.

Aos 90 anos de idade e com a mobilidade reduzida por conta de uma queda, Léa segue acelerada dando entrevistas, participando de eventos e está se preparando para voltar ao teatro e ao cinema. “Essas comemorações que estão fazendo, eu pedi para não fazerem porque eu só queria comemorar aos 100 e eles não querem me dar essa oportunidade”, conta sorrindo a atriz. “Olha só como sou pretensiosa. Quando eu fizer 100 é um século, aí sim seria bom uma comemoração”.

Preview

Imagem: Instagram

Entre as homenagens oferecidas a Léa Garcia neste ano, houve a da  33ª edição do Prêmio Shell de Teatro,  reconhecendo-a como uma das mais importantes atrizes de nossa história, além do jantar com a ministra da Cultura, Margareth Menezes e integrantes do MinC. Tudo sem abandonar a fisioterapia que lhe permitirá retornar com ainda mais força ao palco e às telas. “A minha recuperação está rápida. Não precisei operar, mas ainda estou com dificuldade de caminhar”, explica.

Todas as homenagens são bem-vindas e é muito bom que reconheçam minha trajetória ainda em vida. Não vou dizer que ‘não mereço

O primeiro filme de projeção internacional de Léa foi “Orfeu Negro”, longa baseado em peça escrita por Vinícius de Moraes e dirigido por Marcel Camus, na qual tinha interpretado Mira. Na adaptação cinematográfica, a atriz acabou ficando com outro papel. “A Mira acabou ficando com a Lourdes de Oliveira e eu fui fazer o teste para Serafina. Fiquei um pouco desorientada e o Camus não achava que eu fazia o tipo da personagem. Então eu não me encaixava nem na Eurídice nem na Mira”, conta. “Eu, então, muito esperta, muito sabida, ficava olhando os testes das duas candidatas concorrentes, quando chegava minha vez eu trazia um pouco de cada uma e minha parte também e no dia da escolha, ele me chamou e disse que eu seria a Serafina porque demonstrei interesse na personagem e trouxe um pouco de cada uma e dela também”, revela.

A viagem à França foi como um sonho e além do que sonhava. Léa acabou conhecendo seu ator favorito na época, o já aclamado Sidney Poitier. Chegando em uma boate em Paris, após a estreia do filme, Léa foi recebida por um homem negro que segurou suas mãos e a cumprimentou em inglês. Ela tentou comunicação em francês quando foi alertada por uma amiga que aquele homem era Poitier se colocando à disposição. “Abracei ele de felicidade. Eu tenho essa foto, eu descendo as escadarias com o Sidney Poitier”, explica a atriz que conta que perdeu uma grande oportunidade em seguida. “Ele me convidou para fazer um filme com ele, mas nesse mesmo dia eu tinha um jantar oferecido por uma atriz martiniquense que dublou em francês a Serafina. Aí o horário passou e eu falei com ela e fomos lá na boate. Ele estava furioso por estar esperando, não aceitou desculpas e foi embora. Ficamos perplexas paradas”, lamenta Léa Garcia que poderia ter atuado em “Paris Blues” (“Paris Vive à Noite”), o filme citado pelo ator estadunidense.

Lourdes de Oliveira e Léa Garcia na França

Ligada na transição política do país, Léa ficou feliz com a subida à rampa do presidente Lula. A artista definiu o momento como “um novo amanhecer” e deseja que as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc sejam fortalecidas. “Esperamos estar caminhando para uma sociedade mais justa”.

Foram quatro anos obscuros e depois uma pandemia devastadora e graças ao universo, graças às urnas e graças à população brasileira estamos em um momento de renovação, onde todos nós podemos sonhar com um país mais justo e mais igualitário – Léa Garcia

Embora tenha sido vanguardista e lutado com cada nervo do corpo por um espaço nas artes, Léa Garcia não guarda mágoas sobre as oportunidades que teve na carreira. Ela julga que a diáspora não pode apagar o sentimento de força de todos os negros do Brasil e que tenta não chorar pelas dificuldades passadas. “Eu tenho que conquistar espaços, não podemos ser só atores, mas realizadores. Enquanto não tiver negros atrás da câmeras, dos teatros, de tudo mais, pouquíssimos produtores nos chamarão, a não ser que tenha uma rubrica no roteiro dizendo que o personagem é negro”, reflete.

Após as deliciosas e longas falas, a atriz carinhosamente agradeceu e partiu para mais um compromisso, esbanjando um espírito altivo e uma lucidez admirável.

 

0 comentários


– ÚLTIMOS VIDEOS –


– ÚLTIMAS NOTÍCIAS –