Desde o lançamento de “Vingadores – Ultimato” que a Disney/Marvel vinha patinando em seu Universo Cinematográfico (MCU). Alguma coisa se perdeu dentro do estúdio que começou a inundar o cinema e o streaming com uma sequência de produções que parecem mais serem feitas para saciar a sede de uma linha de produção do que entregar qualquer produto que tenha identidade artística e valor de entretenimento sincero.
“Guardiões da Galáxia Vol.3” chega logo após ao contestado “Homem-Formiga e Vespa Quantumania” , e se o público tem ido ao cinema com desconfiança sobre a atual fase da Marvel no cinema, O Senhor das Estrelas, Rocket e cia mostram em tela que ainda existe paixão e saída dentro do Marvel Studios.
James Gunn dirige este final de trilogia sobre os heróis espaciais e tudo que lhe faltou de inspiração no segundo filme da equipe, parece ter sido guardado para ser usado neste desfecho (será?). O diretor, que sempre fez da trilha musical uma característica marcante da franquia, acerta no alvo ao mirar em temas mais variados que as costumeiras músicas dos anos 70 e 80. O rock alternativo noventista aparece com força, com menção especial a ‘Creep’, dos britânicos do Radiohead, que parecem ter escrito a canção para um dos protagonistas.

Esse bichinho nem sempre foi ranzina
Peter Quill (Chris Pratt), está de luto pela perda de Gamora, mas os dias de porre precisam ficar de lado quando Rocket, seu melhor amigo, é ferido gravemente e precisa que a equipe entre em uma missão para lhe dar a chance de sobreviver.
Se os Guardiões, até aqui, mais pareciam o agrupamento de desajustados salvando o universo por motivos egoístas, no terceiro volume da série de filmes, a equipe finalmente assume a função de verdadeiros heróis. Não há rascunho de sombra sobre isso no filme e a decisão faz um bem danado para quem está cansado de ver heróis repensando sobre serem ou não pessoas boas. A amizade e a compaixão pelos mais fracos ditam as ações da trupe que consegue oferecer tempo de tela e desenvolvimento para quase todos os membros.
Adam Warlock (Will Poulter), que apareceu em cena pós-crédito do filme anterior, é responsável pelo ataque à nova casa dos Guardiões, em Luganenhum e o personagem aparece bem menos épico do que se previa, mas acaba sendo um ponto positivo dentro de um universo cinematográfico que se tornou problemático ao lidar com figuras overpower. Poulter consegue ser engraçado e imponente ao mesmo tempo, mas seu Warlock não é de todo explorado, servindo como facilitador em um momento importante da trama.
Quem brilha mesmo é o arco de Rocket (dublado por Bradley Cooper), que finalmente tem sua origem revelada e digo sem ressalvas, que nem mesmo em “Vingadores-Guerra Infinita” se temeu e se emocionou pela perda de personagens como aqui. Gunn investe sem medo em cenas genuinamente tristes e, embora quase resvale na pieguice em alguns momentos, consegue fazer com que todas funcionem sem que o humor tresloucado característico em filmes da Marvel quebre a noção da gravidade do que estamos vendo em cena. O humor, inclusive, funcionando bem, mas sem os maneirismos já saturados, com as piadas fazendo sentido dentro dos contextos das cenas.
Se Rocky ganha em densidade emocional para o lado mais trágico, a sempre sisuda Nebula, interpretada por Karen Gillan, ganha mais contornos e se torna um dos exemplos mais legais de desenvolvimento de personagem na Marvel. Marcada pelas torturas de Thanos e acolhida pelos Guardiões, sua resistência em lidar com com o bom humor de Drax (Dave Bautista) e Mantis (Pom Klementieff) contrasta com seu esforço em manter Quill e Rocky vivo ao mesmo tempo em que caminha para ser uma líder natural dos sobreviventes de Luganenhum.
Talvez a maior estranheza do filme seja o fato de Groot (Vin Diesel) não estar mais inserido na história. A carismática árvore sempre foi parceiro fiel de Rocket, mas no filme é mantida emocionalmente distante, o que não condiz com tudo que tinha sido construído até agora dentro da franquia.
Como de costume, as cenas de ação são belíssimas e organizadas, tanto as batalhas espaciais quanto as lutas corpo a corpo, com destaque para esta última, que ganha um plano sequência mostrando como funcionam as habilidades de cooperação dos protagonistas quando acuados por muitos inimigos. o CGI, tão criticado nas últimas obras do estúdio, é funcional e deixado de lado quanto necessário, como nas fantasias esquisitas dos guardas do vilão, o que gera um efeito cômico muito certeiro.
O Alto Evolucionário recebe o esforço competente do ator nigeriano Chukwudi Iwuji, que já trabalhou com James Gunn na série da DC “Pacificador”. A ameaça do vilão não é a níveis cósmicos como Thanos, mas mais à integridade dos Guardiões por envolver a vida de um dos membros. Isso tira o malvadão do campo genérico, mas nas mãos de um ator menos competente, a canastrice dos objetivos finais do personagem poderiam ser um ponto negativo do longa.
“Guardiões da Galáxia Vol.3” entrega um pouco da alma perdida na Marvel e supera com facilidade todas as produções da empresa desde “Ultimato”. Não duvido nada que vai arrancar lágrimas do público em mais de um momento. James Gunn fecha a trilogia dos heróis espaciais com tom alto e mostra que o gênero de heróis pode sair da saturação se for feito com paixão e criatividade.
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