Quando se é uma pessoa preta, todas as dores são intrínsecas à sua condição racial. Tudo parece estar ligado e muitas vezes acabamos não pensando em algumas subjetividades ligadas à masculinidade e feminilidade.
Em “I May Destroy You”, a atriz e genial roteirista Michaela Coel transforma o abuso sexual em arte. Enquanto escrevia o roteiro da 2ª temporada de “Chewing Gum” (disponível no Brasil pela Netflix) que Michaela deu uma pausa e foi até um bar encontrar um amigo. Lá, foi vítima de um “boa noite, Cinderela” e só acordou na manhã seguinte, já em sua casa.
Com alguns flashbacks na memória, a atriz percebeu que tinha sido abusada sexualmente por um grupo de desconhecidos. Essa experiência é exatamente o que inspira a fantástica série da HBO Max , “I May Destroy You”.
Com doses de humor ácido e drama competentíssimo, a inglesa traz uma sagacidade ao texto da série que não raro nos fazem querer rever os episódios. Essa mulher negra pegou a dor de ser tratada como lixo e transformou numa história sobre consentimento, traumas e a necessidade de encaixar quebra-cabeças de uma memória traumática.
Se há uma possibilidade de darmos novos significados ao nosso passado, mesmo as passagens menos gloriosas, “I May Destroy You’ é um exemplo poderoso de como ressignificar as coisas. Sem negar o passado, a personagem faz dos fragmentos das lembranças uma motivação para entender e enfrentar o que vem pela frente a partir do que já foi pois sabe que somos formados por memórias e sem elas a gente se parte como uma sequência de longas noites vioentas.
Esta obra-prima precisa ser devidamente reconhecida. Caso os prêmios nao façam jus, tenho certeza que a memória de quem viu fará ode a uma produção que acaricia e bate em seu público ao mesmo tempo.
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