Intensidade, desejo e liberdade feminina sem tabus. Conversamos com Sophie Charlotte sobre seu mais recente trabalho no cinema

por | março 29, 2023

O rosto jovial e a fala aveludada não sugere que Sophie Charlotte já aparece nas telinhas brasileiras há quase vinte anos, embora seu primeiro papel de maior destaque para o grande público tenha sido em 2008 como Angelina em “Malhação“. Agora, a atriz de 33 anos, com mais de dez novelas no currículo, chega aos cinemas em “O Rio do Desejo” como Anaíra, uma mulher que se vê desejando e sendo desejada em meio a um círculo amoroso formado por três irmãos.

O longa, baseado no contoO Adeus do Comandante”, do amazonense Milton Hatoum, levou Sophie ao interior do Amazonas, em Itacoatiara, para dar vida a um de seus trabalhos mais complexos em termos de carga dramática. Quando questionada sobre a angústia de sua personagem em amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, a atriz não tergiversa e oferece uma reflexão interessante: Acho que os questionamentos acerca de desejo e de paixão, essa temática sobre o amor é algo que atravessa todos os tempos, todos as civilizações que existiram e a gente não tem uma resposta final, mas eu acho que quanto mais a  gente perseguir a liberdade individual nessa escolha, nessa definição pessoal tão íntima sobre o que é amor,  é claro, sem abrir mão de uma responsabilidade emocional com outro envolvido, eu acho que a gente começa a ter muito mais empatia e humanidade com as outras questões das nossas interações”.

Crítica: 'O Rio do Desejo' é boa fábula sobre traição no meio da Amazônia

Sophie Charlotte em cena com Rômulo Braga e Gabriel Leone

Segundo Sophie, durante as filmagens de “O Rio do Desejo”, foram efetuadas trocas interessantes com o povo de Itacoatiara. É possível sentir essa integração do elenco à cidade no longa. A paisagem é quente como as paixões vivenciadas na trama. Intenso e avesso a moralismos, a direção de Sérgio Machado faz da Anaíra de Sophie Charlotte um chamado para a reflexão sem julgamentos das vivências de amores proibidos por uma moral duvidosa e, talvez, ultrapassada. “Ele abre para diálogos e reflexões muito profundas. Acho muito interessante o ponto de vista, a perspectiva que o filme lança justamente da figura da Naíra, que é uma figura feminina ocupando um lugar desejante, um lugar de liberdade, né, de potência e isso me interessa muito”, conta.

Contracenando com o marido Daniel Oliveira, que conheceu no set de “O Rebu” em 2014, a atriz conta que a paixão em comum pelo universo e diálogo artístico tornou a experiência mágica e que era desejo antigo dos dois trabalharem juntos no cinema. ”Nesse sentido a gente tava bem por estarmos juntos e com os nossos parceiros de cena também. O Rômulo, o Gabriel, a Gilda, que faz a minha mãe (…) essa troca essa comunhão, essa confiança que a gente precisa ter na hora de se colocar em situações de tanta vulnerabilidade”, aponta.

Com Sophie Charlotte, longa 'O rio do desejo' deslancha com ciranda amorosa

Imagem: Divulgação

“O Rio do Desejo” não tem pontos baixos, mas funcionaria de forma inferior se contasse com atores menos competentes. Da tensão sexual aos rompantes e ódio, tudo é quase palpável e a personagem de Sophie Charlotte funciona como um grande astro do qual os homens são satélites em busca de amor, mas precisam lidar com a liberdade intrínseca à existência daquela mulher. Talvez a mensagem da narrativa ofenda pessoas mais sensíveis aos tabus sexuais e de gênero que ainda perduram, mas isso fala mais sobre a importância do filme em tempos de conservadorismo ferrenho.

” Essa liberdade que a personagem impõe me transformou profundamente Viver derrubando muitas paredes de moralismo”

Sophie define as paixões de “O Rio do Desejo” como as águas tão presentes na cinematografia do filme: “turbulentos, ainda que bonitos”. Gravado em 2019, aproveitando que o desmonte da área cultural não tinha chegado a níveis drásticos, o público ganha só agora a chance de conhecer a força do filme de Sérgio Machado, em um momento que muitos esperam que o Brasil seja um pouco menos odioso e mais afetuoso com a própria produção cultural. “Ver a reação de cada plateia e ouvir as histórias depois das sessões tem sido muito bom de verdade. Passamos quatro anos de um governo criminalizando muito nosso setor, teve a pandemia que também foi muito pesada, então poder lançar esse filme agora que é um momento de respiro de retomada  de um diálogo  democrático com relação a pilares tão importantes como é o pilar da cultura é ótimo”, celebra a artista.

Preview

Imagem: Redes Sociais/Instagram

Se os anos de governo de extrema-direita expuseram o conservadorismo latente no brasileiro, a existência de personagens como Anaíra , sendo encarnadas por atrizes como Sophie Charlotte, funciona como  uma bandeira de protesto levantada na tela do cinema. ”Estamos  num momento de caminhar, de avançar em questões de gênero, de igualdade salarial. Nosso esforço é antirracista ,anti-capacitista, então assim eu acredito que o filme dialoga com o nosso tempo, entendeu?”, dispara. 

“O Rio do Desejo” chega para fortalecer ainda mais o movimento de obras gravadas no Norte e Nordeste do país, a exemplos de filmes como “Noites Alienígenas”forma “Nosso filme é feliz nesse sentido não tem só uma forma estereotipada, exótica, mas tem inúmeras possibilidades de retratar mulheres amazônicas e a Amazônia como um todo né? A gente precisa conhecer esses lugares para se conhecer também porque faz parte do nosso país e precisa de atenção”, reflete Sophie.

A Anaíra representa esse brilho do sonhar, do sonho grande do sonho que parece tão distante,  mas nenhum sonho é distante. Então acho que talvez nesse sentido eu me pareço com a Naíra. Sempre sonhei e apontei minhas flechas na direção desses sonhos desejos. 

“Rio do Desejo” está em cartaz nos cinemas.

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