Lázaro Ramos alcançou no Brasil um status de credibilidade que poucas personalidades conseguem. Após estrelar novelas na TV Globo e sucessos do cinema como “O Homem que Copiava”, “Ó Paí Ó” e “Madame Satã”, o ator estreou em 2022 como diretor com “Medida Provisória”, uma distopia (?) que gerou discussões e movimentou as bilheterias do cinema nacional em tempos pandêmicos.
Agora, Lázaro, ou como é carinhosamente apelidado, Lazinho, está envolvido na divulgação de seu segundo longa como diretor, e o primeiro musical brasileiro lançado em streaming: “Um Ano Inesquecível – Outono”, composto por um estrelado elenco que traz Iza, Rael, Lulu Santos, Larissa Luz e tem como protagonistas Gabz e Lucas Leto.
Além dos atores que encabeçam o elenco, Lázaro comandou um set gigantesco e cenas que pararam o trânsito na Avenida Paulista para gravação de cenas de música e dança. Apesar dos desafios de comandar tantas pessoas, quem trabalhou com o diretor destaca a harmonia que havia na produção, fato que Lazinho sabe a que se deve. “Duas coisas: quando você tem uma obra que faz sentido para as pessoas, que elas se sentem donas, se apaixonam, fica muito mais fácil. Segundo que isso é um princípio para mim, entender que a gente já vê dificuldade, violências no local de trabalho, que é um lugar que a gente passa mais tempo do que com as nossas famílias, então acredito que precisa ser mais alegre e acolhedor”, explica o cineasta.
Lázaro Ramos e Lucas Leto em filmagem de “Um Ano Inesquecível – Outono”
Claro, com os desdobramentos diários de uma filmagem do porte de “Outono”, os desafios surgem, mas Lázaro conseguiu essa leveza que defende no trabalho transparecesse no projeto. ”O filme tem um astral tão legal, as pessoas têm comentado, e é por causa do que a gente viveu apesar do desafio. Não é um musical pequeno, a gente fechou a Paulista para botar 300 pessoas, tinha deslocamento pela cidade de São Paulo, mas quando você tem saúde no ambiente de trabalho fica mais fácil”, revela.
A voz de Lázaro Ramos ao falar da atual fase é sempre carregada de sorriso. É como uma extensão da própria leveza do musical que dirigiu, tão cheio de energia e boas canções. “Musicalidade, beijo na boca e afeto também fazem parte da nossa existência, por isso eu acho que devemos diversificar nossas narrativas. É isso que eu estou tentando fazer na minha carreira, não ficar só em um estilo. Quero pegar essa potência negra que nós temos e contar histórias, diversas histórias”, conta.
O diretor com parte do elenco
Lázaro chegou no Prime Video já com o projeto de um musical em andamento e aceitou de pronto quando foi perguntado se queria assumir. Faltando vinte dias para começarem as filmagens, ele conseguiu imprimir sua assinatura, que na verdade, prefere chamar de “assinatura coletiva”. Ouvindo as opiniões dos profissionais envolvidos e dos que chamou para trabalhar junto, conseguiu compor uma linguagem cinematográfica que explora a música preta em suas diversas vertentes para contar uma história de amor leve e gostosa de acompanhar. “Eu cheguei e tivemos uma sintonia, porque eu tinha opiniões, mas juntei essa turma para pensar o que é um musical brasileiro, ensinar a preciosidade da música preta brasileira. misturamos estilos. Tem Cassiano, tem música dos jovens talentos. A gente mapeou a cena musical preta brasileira e foi lindo!”, celebra.
O também escritor, se tornou um dos símbolos do famoso termo “ocupar espaços”. Do icônico malandro safo Foguinho de “Cobras e Lagartos” até o conquistador André Gurgel de “Insensato Coração”, culminando com sua recente carreira de diretor, ele é uma referência para qualquer profissional preto que sonhe em se destacar no audiovisual. Agora, não mais como representante da história alheia, mas contando as próprias narrativas. “Eu tenho tentado exercitar isso na minha presença no Prime Video. Tenho montado projetos em gêneros diferentes e eu acho isso muito legal, mas ao mesmo tempo a gente não pode expressar por exemplo o movimento que o teatro preto está fazendo no país em todas as regiões, às vezes sem recursos necessários, mas é um movimento de criadores e de autores que eu vejo com bons olhos. A própria TV aberta está entendendo que dá resultado e tem surgido vários exemplos que a gente vê aí”, reflete.
Eu acho que a gente tem um lugar de tantas possibilidades, tantas potências, que temos de ocupar todos, fazendo todos os lugares serem nossos, porque temos muita história para contar. O mundo ainda não viu nada do que a gente é capaz de contar em termos de história”
Imagem: Prime Video
Confira mais do nosso papo com Lázaro Ramos
Os coreanos usam muito a sua música e suas séries como uma forma de levar sua cultura para todos os lugares. O que falta para o Brasil levar a sua cultura, por exemplo o pagodão baiano, o funk, o cinema, para outros lugares do mundo?
Essa é uma grande pergunta! Eu tenho algumas intuições. É importante a gente flertar com gêneros que são populares, mas ao mesmo tempo, encontrarmos a assinatura brasileira em tudo que a gente faz. Por exemplo, o “Outono”, o que foi que eu tentei fazer? Se você for observar, ele tem uma linha dramática tradicional, é um musical romântico, a gente sabe como ele vai terminar, mas o jeito de contar a história é com elementos brasileiros. Embora seja um ambiente urbano, com uma realidade específica, tem uma assinatura, né? E tem várias camadas, né? Se você vir na hora que está passando a música do Péricles, não é só um músico de rua cantando, a cena quando eles fazem amor, e ela cheira o cabelo dele e se emociona, não é à toa, tem várias coisinhas que a gente vai colocando e vai dando certo a profundidade.
Todo esse trabalho coletivo harmonioso que foi feito no set, quais são as suas referências na direção para levar esse tipo administração a um filme desse porte?
A casa de cinema de Porto Alegre com Jorge Furtado, [em] que eu trabalhei muito como em “O Homem que Copiava”, “Mister Brau” e ” Saneamento Básico”. Eles têm um jeito de trabalhar que é muito agradável, eu sempre admirei muito o jeito tranquilo e afetuoso deles e trago isso comigo. Mas também tem o Jordan Peele, o Spike Lee nesse lugar de referências estéticas, aí eu penso no Flora Gomes, Joel Zito Araújo, Barry Jenkins, e essas coisas vão atravessando a gente.
O filme tem uma profusão de estilos. Você trouxe a Larissa Luz, tem músicas do Saulo e da Sarah Roston, tem pop, tem funk, tem o Péricles. O que você estava ouvindo que ajudou na concepção musical de “Um Ano Inesquecível – Outono”?
Eu estava na fase Motown. Quando começou o filme, eu tinha feito uma playlist enorme sem saber que eu ia dirigir o musical. Eu falei até com o Gui Amabis, compositor de várias canções, e a gente começou a trazer muitas músicas que representavam a nossa geração, uma geração mais velha, só que aí eu pensei “esse filme não é a voz só da gente. Eu quero apresentar para um monte de gente o Cassiano, que é o mestre, um gênio, mas também quero saber o que eles estão ouvindo. (…) A gente vai trocando essas experiências e é isso que o filme oferece. Música boa é música boa, não importa a geração.
A gente vê que o cinema brasileiro está se desvencilhando um pouco de certos vícios. Estamos maturando para fazer mais cinema de gênero. O que você está planejando na carreira de diretor agora?
Eu estou com três projetos de filme no Prime. Algumas pessoas acham que eu fui para uma coisa oposta depois de sair do “Medida Provisória”, mas o que vem aí é mais diferente ainda. Eu só posso dizer que são gêneros que eu nunca trabalhei e são desafiadores. Eu tô pirando justamente nisto de explorar outros gêneros, aprender a contar histórias de outras maneiras.
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