Confira o faixa a faixa de “Canto Coral Afrobrasileiro”, álbum inédito d‘Os Tincoãs gravado em 1983

por | abril 18, 2023

O precioso legado d`Os Tincoãs está prestes a alcançar mais ouvidos e almas com o lançamento do álbum inédito “Canto Coral Afrobrasileiro” (Sanzala Cultural) pela Natura Musical. O registro realizado em 1983, semanas antes de o trio vocal formado por Dadinho, Mateus Aleluia e Badu, em Cachoeira (BA), partir para Angola, será disponibilizado nas plataformas digitais no dia 20 de abril.

No disco, o grupo fundamental da música brasileira, que combina a complexidade rítmica e melódica de temas do candomblé à sofisticação barroca da cultura católica, encontra-se com o Coral dos Correios e Telégrafos do Rio de Janeiro em seis músicas. Nas outras quatro faixas prevalece o som d`Os Tincoãs no formato que os consagrou.

No ano em que a obra completa 40 anos de sua gravação, Mateus Aleluia, o remanescente vivo que integrou o lendário trio baiano por mais tempo, desejou disponibilizar as dez faixas, quatro delas nunca gravadas antes. Com o violão de Dadinho, os atabaques de Mateus e o agogô e ganzá de Badu, todas as músicas do álbum foram compostas e adaptadas pela dupla Mateus e Dadinho e também serão lançadas em vinil. A idealização do projeto é do produtor do trio na época, Adelzon Alves. Com Os Tincoãs desde 1973, ano de lançamento do disco de estreia homônimo, que trazia a cultuada “Deixa a Gira Girar”, o produtor identificava no grupo, segundo Mateus Aleluia, “uma projeção para um coral de cantos indefinidos, o verdadeiro canto coral afrobrasileiro”.

Álbum inédito do grupo Os Tincoãs ganha edição um ano após a previsão inicial | Blog do Mauro Ferreira | G1

Foto: Arquivo

Graças aos conhecimentos musicais fruto de sua atuação como radialista, ouvido em todo Brasil na década de 1970, Alves aproximou o gênero musical spirituals – cânticos religiosos entoados por corais de pessoas pretas do Sul dos Estados Unidos – do trio. “Eu queria fazer algo assim com Os Tincoãs: um gospel afrobrasileiro, mas com as músicas que eles cantam em iorubá e banto, cuja origem tem mais de 2500 anos, segundo especialistas, um repertório de grande importância antropológica e histórica para o Brasil e o mundo”, explica o carioca de 83 anos, que produziu e lançou nomes como Clara Nunes, Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus, Martinho da Vila, Alcione e João Nogueira.

No período das gravações, o trio batizado com nome de pássaro planava num voo indeciso. Já tinha quatro LPs e cinco compactos gravados, além de ter alcançado o reconhecimento entre colegas e público. Nas emissoras de TV da época, fizeram apresentações memoráveis nos seguintes programas: Flávio Cavalcante (TV Tupy), Mário Montalvão (TV Tupy), Aérton Perlingeiro (TV Tupy), Chacrinha (na tevês Bandeirantes e Tupy) Globo de Ouro e Levanta a Poeira (ambos da TV Globo). Participaram, ainda, da trilha sonora de “Escrava Isaura”, da mesma emissora.

Faixa a Faixa “Canto Coral Afrobrasileiro”
Por Zezão Castro

1- ”Ajagunã”

O Lado A abre com a faixa ”Ajagunã”. Lançada em compacto no ano de 1982 (RCA), é um canto de louvação a Oxaguian, (avatar de Oxalá quando jovem). É, também, a única faixa não-orquestrada nesta face do disco. Trata-se de um orikí , palavra iorubana originada da junção de orí (cabeça) e ki (saudação), ou seja, um canto de saudação “à cabeça” ou ao guia que rege a cabeça de alguém. “Tudo começa na cabeça”, relembra Mateus Aleluia. Esta música era o sucesso da época do grupo, que a defendeu no Festival MPB Shell no ano em que foi lançada.

2- “Oiá Pepê Oiá Bá”
A 2ª faixa, abre o grupo das inéditas em disco. Cantada em idioma iorubano, é outro oriki, dessa vez em louvação a orixá Iansã (Oyá), identificada na mitologia afrobrasileira como a rainha dos raios, senhora das tempestades, rainha guerreira. Foi esposa de outros orixás, destacando-se Ogum e Xangô. Numerosos terreiros do Recôncavo e da capital baiana tem essa divindade como figura maior de suas casas de culto ancestral.

3- “Misericórdia”

Na sequência, vem ”Misericórdia”, pinçada de um compacto lançado em 1974 (Odeon). A música reflete a osmótica formação artístico-musical dos habitantes do Vale do Paraguassu. Naquelas paragens, dorme-se ninado pelos toques da ritualidade africana e acorda-se com o dobrar dos sinos da Matriz. Mateus participava do Coral da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Cachoeira, na adolescência, e seu tio Clarício era instrutor musical na Filarmônica Lira Ceciliana. Nas décadas de 40 e 50, os cultos católicos eram celebrados em latim e sempre havia a parte do Miserere Nobis (Tende Piedade de Nós). Com o brilhantismo de sempre, Os Tincoãs, harmonizam a litúrgica mea culpa, revezando suas vozes com os contracantos do Coral dos Correios e Telégrafos, africanizando a missa ibérica, como só eles sabiam fazer.

4- “Key Iemanjá”

“Key Iemanjá” é outro oriki inédito em disco que, só agora, ganhou seu registro definitivo. Cantado em Iorubá em louvação à rainha das águas, à mãe de todas as cabeças, inclui também preces a Oxumaré. Em Cachoeira, na beira do Rio Paraguassu, os filhos de Iemanjá esperam até a maré cheia tornar a água do rio mais salobra, a fim de que se torne propícia para as oferendas à rainha do mar. Na maré baixa, as águas, menos salgadas, tornam o rio mais propício às oferendas para a orixá Oxum, rainha das águas doces.

5- “Obaluaê” 

“Obaluaê” é o número que fecha o lado. Nesta releitura, mais lenta que a original, lançada no disco homônimo de estreia da fase afro (Odeon, 1973), o ouvinte é induzido a pensar que o canto gregoriano surgiu n´algum quilombo do massapê canavieiro do Recôncavo. A divindade da saúde e da cura é reverenciada, aqui, em canto bilingue (português e Iorubá). Protetor dos pobres contra as doenças, ele rege as questões de vida e morte. Carrega sempre sua lança de madeira para espantar energias ruins e espíritos errantes.

6- “Cequecê”

O Lado B, abre com ”Cequecê”, uma reverência aos candomblés da linha Banto/Congo/Angola. Saúda os inquices (orixás), e, ao mesmo tempo, relembra a acolhida que Os Tincoãs tiveram em sua estada angolana, de 1983 até os anos 2000. Com versos adaptados por Dadinho e Mateus, o cântico chama a atenção pelo entrosamento entre as vozes e o tripé violão, atabaques e ganzá.

7- “Ogundê”

“Ogundê” é uma faixa que revela uma mescla de mistério e solenidade espiritual, consagrados ao orixá Ogum. Ogun-dê, em iorubá, significa Ogun “chegou’. Gravada pela 1º vez em 1973,  é a sétima faixa deste novo LP. Sete é, também, o número desta divindade. Já no início, com o violão dedilhado de Dadinho e o arranjo das três vozes, a música passa a sensação de que a senzala, a aldeia e o monastério se confundem na gênese dessas harmonias vocais. Os atabaques, tocados por Mateus, e o agogô, tocado por Badu completam, com maestria, a vestimenta da música.

8- “Pelebé Nitobé” 

“Pelebé Nitobé” é outra faixa também inédita na discografia do grupo. É dedicada ao orixá Ossanha (ou Ossãe), aquele que sabe o segredo medicinal das folhas. O título, por sinal, também vindo do iorubá, significa que as folhas, (Ewe) “tem duas faces”. A primeira frase da faixa, “axé, babá”, significa “força, pai”. É uma interpretação, como as demais, repleta de espiritualidade, onde se pede à divindade reverenciada que as doenças não encostem, se afastem, salientando que as folhas, por ele manipuladas, tem o poder da cura.

9- “Salmo”   

“Salmo” é uma oração lançada, originalmente, no LP O Africanto dos Tincoãs (RCA, 1975). Realça a influência da religião católica na formação do grupo.  As vozes do coro, regidas pelos maestros Leonardo Bruno e Armando Prazeres, em conjunto com a lírica empregada, tornam a canção perfeitamente adequada para qualquer culto cristão. O eu lírico suplica intervenção de Jesus para que acabe com a seca que queima as pastagens e pede compaixão para com os contritos romeiros. O instrumental tincoã, como sempre, fornece a atmosfera de terreiro, dotando de ritmo afro-caboclo a espiritual melodia.

10- “Lamento às Águas” 

“Lamento às Águas” fecha o trabalho. Assim como a anterior, tem a presença do coral. Gravada originalmente no outro LP homônimo (RCA, 1977), a faixa rende homenagens aos orixás e caboclos. O coral, mais uma vez, empresta um caráter divinal, com sua divisão de vozes. É destinada também aos caboclos Onymboiá e Eru, também citados antes do encerramento do cântico. Axé.

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