“É uma emoção a mais poder chegar e cantar uma letra nova”: Uma conversa com Gabriel O Pensador, o mais verbal dos rappers

por | novembro 13, 2023

“Crianças, se comportem, que essa aula é importante/ De ciências e da experiência de quem chegou antes/ De história, e lógica, e vai cair na prova/ Se não fosse a velha escola, nem existiria a nova/ É óbvio, mas se quiser que eu explique, eu desenho/ Com um grafite, parecido com o que eu vi no beach street”. Estes são os versos de ‘Profecia’, canção que abre o novo álbum de Gabriel O Pensador e mostra que o rapper sabe que o rap lhe deu muito, mas ele também deu muito ao rap, ainda que nem tão citado pela nova geração em canções.

Quando O Pensador estourou com o clássico álbum “Quebra Cabeça” de 1998, ele já tinha dois álbuns na bagagem, o homônimo de 1993 e o subestimado “Ainda é Só o Começo”. de 1995. Com o terceiro disco e o fenômeno da icônica ‘Cachimbo da Paz’, o carioca levou o rap a todas as rádios, programas e casas do país. De lá para cá muita coisa mudou. As mídias físicas morrem lentamente e a música urbana em geral enfrenta menos resistência e uma parte disso passa pelo feito comercial do rapper carioca. 11 anos depois do último lançamento (“Sem Crise”), Gabriel volta a entregar um álbum completo, o ótimo “ Antídoto Pra Todo Tipo De Veneno”

E acabou que o meu álbum (‘Quebra Cabeça’) abriu portas no mundo da lusofonia, né, em países africanos também, Portugal também, para o rap feito em português. E as histórias que me contaram foram muito interessantes, que os caras já estavam desistindo de fazer as letras e queriam fazer até em inglês, quando de repente uma música minha começou a tocar lá em Portugal, e dali foi pra Angola, Moçambique, Cabo Verde.  Era a música “O resto do mundo”, do primeiro disco. Não foi planejado pela minha gravadora, nem nada. Foi muito espontâneo, foi um cara que levou e tocou e aquilo foi muito forte.

 

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“No meu último álbum, eu senti que o público não aproveitou tão bem o álbum inteiro. Teve uma música que foi muito forte, foi “Solitário surfista”; teve uma que foi muito importante também, que foi “Linhas tortas”, que eu lancei até antes do álbum, com clipe também, as duas com clipe, mas o resto do disco ficou até mesmo como um… resto. Não foi um álbum que as pessoas pararam assim, ‘Ó, um álbum do Gabriel o Pensador’. Estava todo mundo na velocidade do single. E aí eu fiquei um pouco decepcionado com isso, tinha músicas ali que eu achava que mereciam mais atenção, muitos convidados legais ali no álbum do “Sem Crise”, e aí eu me adaptei e comecei a lançar singles. Mas não parei de fazer música, não parei de produzir”, conta meio frustrado Gabriel.

Durante o hiato, o artista aproveitou bastante a ascensão de redes sociais como o Youtube e lançou hits singles como “Matei o presidente 2”, “Chega”, “Muito orgulho, meu pai” e “Fé na luta”, entre feats com Maneva, Amanda Coronha e outros.

Uma vez Lulu Santos definiu Gabriel O Pensador como “a pessoa mais verbal” que ele conhecia. É de se imaginar a quantidade de versos guardados pelo artista. Inevitavelmente a coesão das ideias guardadas transbordaria em novo trabalho cheio. “Eu estava com muitas bases já de alguns amigos beatmakers, estava com muitas ideias pra letra. Seria até difícil se eu quisesse escolher qual é o próximo tema, porque tem isso, né? Quando você lança um single parece que você tem aquele assunto pra dizer, aquilo é importante pra você naquele momento. De certa forma, “Matei o presidente 2” eu fiz e quis lançar logo, fiz o clipe logo, foi uma missão gravar na Amazônia, gravar em Brasília, e teve um motivo. Era uma coisa do momento. O álbum, não. Ele é um conjunto de assuntos”, conta.

Esse álbum é muito pessoal, tem muito desabafo, tem um lado psicológico ali do “Antídoto pra todo tipo de veneno” mesmo, que pra mim foi uma terapia falar de muita coisa.  Então eu tive que segurar essa ansiedade. De repente a gente já estava com uma música muito boa e poderia lançar logo. “Pô! Quero mostrar logo isso pro público”. Não, agora é álbum. Vamos segurar, vamos caprichar. E a gente vai burilando cada faixa e mexendo – Gabriel O Pensador

 

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Sem dificuldade de encher casas de shows, “ Antídoto Pra Todo Tipo De Veneno” veio mais por uma necessidade artística do que por pressão comercial. Dono da própria gravadora, O Pensador segue um ritmo natural. Muito falante, não esconde a alegria do novo lançamento que conta com participações da nova e da geração anterior do Hip-Hop brasileiro. Xamã, Sant e Black Alien fazem participação em três das faixas. “O Xamã eu convidei  pra mandar um vídeo pra live que eu fiz no dia dos pais, eu tinha acabado de perder meu pai, fazer aquilo foi muito importante pra eu passar aquele primeiro Dia dos Pais sem o meu pai, fazendo uma homenagem a todos os pais  e convidei artistas variados para participarem por vídeo e o Xamã tinha uma história que ele tinha me contado em algum momento sobre um desabafo, uma coisa que ele tinha pro pai dele, uns versos. E ele fez isso pra nossa live, a gente se reaproximou ali. E a gente ficou “Pô, vamos fazer um dia um som!”, ficou aquela ideia vaga. E quando eu estava escrevendo a letra que falava da ressurreição do indígena – que mataram lá na primeira música – eu pensei nisso, eu ia precisar de um pajé, que em outras palavras pode ser chamado de xamã… [risos] né, de alguém que fosse o especialista na fórmula da ressurreição, para traduzir aquilo ali e tal, naquela letra que eu estava inventando ali”, explica o músico que também sabe do envolvimento de Xamã nas questões indígenas, o que casou com a temática de “Cachimbo da Paz 2”, que ainda traz Lulu Santos de volta, reprisando vocal melódico da primeira versão.

Confira mais do papo com Gabriel O Pensador

Você falou que esse álbum foi uma espécie de terapia pra você, né? Colocando ele no mundo agora, após tanto tempo, você se sente mais leve, você está feliz com esse resultado final, com o que as pessoas estão recebendo? Ou faltou alguma coisa?

 Gabriel O Pensador: Não, eu estou empolgado! A palavra é essa. A gente está ensaiando com a banda pros shows novos, já estão com músicas novas… sou muito amigo dos meus músicos, sou fã de todos eles, eu curto muito cada momento ali no ensaio, no show, me arrepio, me empolgo, a gente realmente faz com prazer o nosso trabalho. E é bom que eu já gosto, independente de ter um álbum novo lançado, estou sempre satisfeito por estar na estrada, por estar no palco, me arrepio – literalmente, mostro pra plateia, “Arrepiou!”, e não sei o quê, gosto mesmo, mas acho que está sendo uma coisa, até uma emoção a mais, poder chegar e cantar uma letra nova, poder chegar e mostrar um sentimento novo. Então, a musicalidade, como você bem falou aí, a gente traz também coisas que não é só letra, não é só ideia, é música, é experiência musical, né, a contribuição que eu tive de vários produtores novos, principalmente o Kevin, que assinou a produção geral do álbum.

 

Muitas das suas músicas, falam de temas do Brasil que aconteciam a 20 anos atrás, hoje pouca coisa mudou. Ainda assim você se considera um cara otimista com o nosso país, Gabriel?

Gabriel O Pensador:  Pois é, cara, é bem complicado, né, quando a gente tenta até se autoavaliar. Eu, você, todos nós, como sermos otimistas, como sermos céticos? Porque uma coisa ou outra quando  isso vai oscilando também, acho que são períodos que a gente vê algumas bizarrices, algumas covardias, algumas coisas que vão se normalizando e se sente tão impotente, como “Mataram mais uma grávida, mais uma criança…”, enfim, não só em situações de balas “perdidas” ou de assaltos ou de agressões a autistas, coisas que a gente não imaginava… {…} “Estão agredindo os autistas, estão agredindo os professores na sala de aula…”. Tem umas coisas que realmente às vezes têm um impacto na nossa esperança, na nossa… dá até vergonha. A música do “Astronauta” já falava assim, cara, dá meio que vergonha de ser humano às vezes… Porra, eu não me adequo a isso, eu não acho normal isso, eu não consigo banalizar certas coisas. A sociedade tenta um pouco às vezes, fica tão anestesiada… Então nem sempre a gente está com o mesmo otimismo, né? Nem sempre. Mas mesmo na hora de desabafar uma coisa mais pesada, nesse álbum eu posso falar no “Ultimamente”, que é uma faixa que fala que eu estava a ponte de explodir o meu crânio, sufocado por tanta guerra, tanta covardia, eu falo ali, ingratidão, mentira, veneno, mas mesmo nessas horas, o fato de estar desabafando, de estar dizendo aquilo ali, de estar gritando, é uma busca por um passo à frente, por uma virada de página. Não pode chamar de otimismo naquele momento, mas é uma busca por uma saída, né?

 Falando em adequação, Gabriel, na sua música, mesmo quando você flerta com diversos gêneros – o pop rock, o reggae, o pop,  – ainda assim a gente ouve falar “É Gabriel, o Pensador”. E recentemente a gente viu aí uma invasão do gênero, que é uma vertente do hip-hop, que é o trap e prefere narrativas que fogem um pouco ali do lance de protesto, denúncia, e mais uma narrativa de ostentação. Como você enxerga a cena atual hoje?

Gabriel O Pensador: Cara, o Dree, o Cris, o Necão Da minha banda também, são mais jovens que eu, e estão ouvindo às vezes umas coisas gringas, às vezes umas coisas também do nacional, e assim a gente escuta junto,ali por acaso, mas eu não sou um cara que fica pesquisando muito. Não exatamente o trap, mas as novidades, né? Eu gosto de ouvir para curtir outros tipos de som, de black music, de reggae e outras paradas, né? Mas eu entendo o que rola, tem uns flows interessantes, quanto menos repetitivo eu acho mais legal. Quando o cara é mais original, quando traz um flow diferente. Tem muitos bons letristas, até da galera do freestyle tem muita gente boa, entendeu? Só o cuidado, que eu acabo dando um toque assim, num olhar de quem também vem de uma onda que era novidade na época, que era o rap, eu também busquei meu próprio caminho, meu próprio jeito, como você fala, misturando outras coisas, fazendo uma linha que você escuta e fala, “Esse é o Gabriel! ”. Então, a dica que eu falo pra galera: tentar ser o mais original possível pra não ficar tudo muito parecido.

 

 Eu entendo bem a vibe da galera, mas eu acho que a gente tem que aproveitar, cara, é uma ferramenta muito forte, são milhões de views, são milhões de ouvintes. Eles têm um espaço, têm uma força, uma responsabilidade, aproveitar da melhor forma, trazer coisa boa pra essa molecada escutar seria sempre bem-vindo, cara. Novas ideias, falar da superação sim, falar da conquista sim. Manter a humildade, não se perder, entendeu? Não se perder com o sucesso. Tomar cuidado pra não subir à cabeça: essa seria a minha recomendação – Gabriel sobre a cena atual do rap

 

Eu não sei se já te perguntaram isso, mas eu acredito que você e o Mano Brown foram a porta de entrada para muitas pessoas no rap. Por que nunca rolou um feat, nunca teve essa ponte? 

Gabriel O Pensador: Verdade, cara! Eu tive um momento maneiro com eles e o Criolo na Fundição Progresso, né? Que eu estava assistindo ao show e aí me viram na plateia e aí eu fui lá e, “Porra, vamos aí! Passa uma canja aí”, e a gente mandou o “Cachimbo da paz” mesmo. Foi maneiro. E o Brown é um cara que, pô, é apaixonado por música também, daria pra fazer uma coisa maneira com certeza, diferente, bem diferente. Ele fez o “Boogie Naipe”,veio numa fase muito interessante aí. E no meu primeiro disco, eu já citava, na “Loira burra”, né, como disse o Racionais, eu sempre fiz questão de mostrar que eu não era o primeiro a fazer rap

 

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