“O autocuidado é nos aquilombarmos para nos mantermos vivos”: Com novo single e clipe sobre acolhimento, Ianaê Régia falou com a Trace

por | maio 29, 2023

‘Meio do Céu Em Leão’ é o primeiro single de ‘AFROGLOW’, primeiro álbum de carreira da artista gaúcha Ianaê Régia, projeto aprovado pelo edital Natura Musical. A cantora traz para a canção  inspiração astrológica, usando a referência no mapa astral. A  própria artista mostra intimidade com o tema ao revelar um pouco de seu mapa, sendo o meio do céu da Ianaê Régia em Leão, expressando qualidades em seu campo artístico como brilho, autoconfiança e magnetismo.

Ao contrário do que é mais comum entre as divas pop nacionais, Ianaê foi buscar sua  referência visual na irmã menos badalada entre as cantoras Knowles. “A Solange desde o princípio me transmite tranquilidade e leveza. E eu me sinto representada por técnicas audiovisuais que ela usa, como o plongé absoluto e planos abertos, além da estética minimalista onde a sutileza dos movimentos são impactantes. Tenho como essência a característica “Lúcida-Lúdica” e com as técnicas de plongé absoluto (ângulo onde a perspectiva do público é de cima) consigo ter uma visão mais ampla que possibilita testar a capacidade de observação, de reparar e analisar os detalhes mesmo de longe. E me baseando no meu aspecto “Lúcido”, cheguei à conclusão de que parte do cenário fosse uma “cidade desconstruída”, um ponto subjetivo visualmente que gera exatamente o oposto do ‘Lúdico’,  não te dá certeza alguma de início”, explica a artista.

Ianaê Régia busca trazer em seu trabalho um reflexo daquilo que é e do que vive, levando sua arte para um caminho mais íntimo, ainda assim acessível,

Confira mais um pouco de nossa conversa com a cantora.

 

Transformar dor em arte, em música pode transformar a performance dessas canções em algo pesado. Como se prepara psicologicamente para a experiência?

A primeira forma que me preparo para o autocuidado é ignorando completamente tudo que é romantizado a respeito do autocuidado na internet. Quando estou perto de um lançamento, meu preparo psicológico é de ignorar tudo isso, de tomar esse cuidado e ir contra essas dicas inventadas pelo próprio capitalismo, que acabam sendo uma cilada a gente acreditar que agora ele é nosso amigo, né? Que ele de fato aceita todas as diferenças, corpos, etc. O melhor que eu faço por mim é parar a correria do dia, e me dedicar a tomar um banho, a ter meu momento para comer e o mais importante, mais difícil que eu faço é: pedir ajuda para as pessoas quando eu não consigo mais! Porque eu sou muito muito orgulhosa, mas eu tenho feito o exercício de lembrar que eu não sou uma máquina, então ter e usar a rede de apoio, acionar a família é essencial. .

Uma artista preta fazendo R&B no sul. É um movimento crescente. Como enxerga isso na região?

A onda de R&B está acontecendo aqui em Porto Alegre, está crescente, mas o destaque não é para as pessoas pretas. O que temos são artistas do Bonfim – bairro nobre de Porto Alegre – Centro Histórico e 4º Distrito, que são em sua maioria brancas, e naturalmente privilegiadas, mas que fazem “cosplay” de pobres, e não só decidem começar a fazer R&B, quando começam a se apropriar do nosso estilo, usar as nossas roupas streetwear, os nossos acessórios, desde correntes, o cabelo “loiro pivete”…essa é a ousadia dessa galera. Então existe sim essa onda acontecendo aqui, mas acaba que algumas pessoas recebem visibilidade sem necessariamente merecer. O que o Rio Grande do Sul precisa perceber é que existe uma outra onda enorme de R&B acontecendo de fato pelas pessoas pretas, proprietárias do gênero musical, do estilo na moda, mas as pessoas pretas criadoras não são observadas aqui no Rio Grande do Sul, não são observadas pelos agentes.

Preview

Foto: Divulgação

Saúde mental negra recebe pouca atenção. Qual o papel de artistas em chamar atenção para essa pauta?

Quando eu penso em artistas, eu penso primeiramente na maior referência que eu tenho, que é a Nina Simone, em uma entrevista dos anos 90 que ela fala que o papel do artista é trazer a realidade. Para mim, todo artista é um realista lúdico, a gente pega as coisas ao redor, nossas referências, pela forma sensorial, a gente absorve elas, cria, filtra e boa pra fora, e cria uma nova realidade. Quando falamos da comunidade artística, não acredito no “belo”, na ideia acadêmica, mas sim no artista como corpo-político. Por isso a branquitude precisa aprender a se expor, porque a negritude é obrigada a estar exposta o tempo inteiro. E também não quero “brancos heróis”, mas sim que os brancos aprendam a “botar o dedo na cara” das injustiças e crimes que acontecem, e que reproduzem. O papel das pessoas pretas como artistas é de se manterem vivos, mesmo que doa, é sabermos que não estamos sozinhos, e que autocuidado é uma forma de militância. Resistência? Não gosto mais desses termos porque acredito que a branquitude estragou esse termo. O autocuidado é nos aquilombarmos para nos mantermos vivos, e não apenas em modo de sobrevivência. 

Ansiosa pela recepção do público? O que espera e planeja daqui para frente?

Não estou ansiosa, porque eu sei o tamanho da mensagem e a carga que tem a composição de ‘Meio do Céu em Leão’. Eu sei exatamente quem é o meu público, e o quanto eles precisam de mim e eu preciso deles. Eu era uma pessoa completamente isolada, e com o relacionamento com eles eu aprendi a receber amor, meu público me mantém e eu confio muito neles. Estou trazendo uma mensagem que muitas pessoas já estão trazendo há muito tempo. E o impacto de ser aprovado num edital tão importante quanto o da Natura Musical, logo de primeira, e de saber que nosso projeto também é tão importante para eles quanto é pra gente, reforça e endossa o peso do que a gente vem construindo. Ainda mais nesse contexto em que a maior parte dos artistas pretos tem dificuldade de acesso e recursos para construção e materialização de seus projetos. A ansiedade para o lançamento passou, pois uma vez que o projeto foi aprovado a partir do momento em que eu só tinha internet e um computador para fazer a submissão, dalí eu já sabia que estava falando comigo e com o meu público ao mesmo tempo. Eu mesma escuto as minhas músicas quando estou na bad, e assim eu vou me lembrando de quem eu sou e meu público é muito como eu. O que eu espero é que todo mundo escute com afeto e carinho, e que as pessoas brancas também escutem meu álbum reflitam sobre o que é ser carne viva o tempo todo, e possam tomar consciência servindo de letramento para elas também, sem fingimento sobre inclusão racial. E as pessoas pretas lembrem que elas são realezas e que estamos aqui para brilhar muito, para sermos realezas e não só virar estatísticas ruins, mas independente de tom de pele, o que mais importa é nosso sangue negro, nossa ancestralidade, nossos orixás, nossos guias e que meu público lembre que merecemos cuidado e afeto. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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