O rapper à frente no tempo e sua verdade: Um papo mais que especial com Froid

por | agosto 1, 2023

Um ainda desconhecido Djonga rimava em A Pior Música do Ano: “E eu demorei anos pra entender isso aqui/ Mas se o Froid rimar primeiro/ Cês não vai ouvir isso aqui”. Em 2017, Froid já era um dos maiores expoentes de uma nova geração que mudou a cara do rap nacional. Após um trabalho ímpar no Um Barril de Rap, grupo referência da cena brasiliense, o mineiro estourou de vez em 2016 com o já clássico rap “Pseudosocial”, que trazia a hoje famosa lírica certeira do cantor. 

O futuro terá cura, o futuro é literatura/ Escolástica, matemática é mágica pura/ Sem assediar alunas, sem censuras/ Num espaço mais aberto pra filosofar cultura – Froid em Pseudosocial

Atualmente, Froid trabalha o projeto “O Florista – Ao Vivo”, em que faz releituras de algumas de suas canções, demonstrando uma qualidade para o canto que nem sempre é comum no rap nacional e, ao contrário do que se espera desse tipo de projeto, ele escolheu faixas que não estão entre as mais populares, dando uma segunda vida a elas. “Eu sou um compositor antes do rap, eu sempre fui compositor,  e eu gostava de compor no violão, tá ligado? Porque é um instrumento onde eu conheço todas as notas, todos os acordes. Eu consigo compor a harmonia para o tipo de letra que eu estou procurando, para o tipo de métrica, então fica mais fácil pra mim compor no violão. Então, basicamente, todas as minhas músicas são feitas de forma acústica, entendeu?”, revela o artista.

Foto: Vitor Cipriano

Na atual excursão, o rapper tem misturado as canções acústicas com as versões tradicionais de acordo com o local da apresentação.  Para Froid, o acústico não se encaixa em todos os ambientes, o que não o impediu de colocar sua conhecida paixão pela composição no novo projeto. “Eu fiz pensando em como eu conseguiria entregar uma coisa, como eu posso dizer? Com mais dedicação, com mais carinho com a arte, sabe? Com mais atenção. Eu fiz pensando nisso, de criar uma parada, de deixar o meu legado ali. Eu também gostaria de inspirar um guitarrista, de inspirar um baixista, de inspirar um baterista pra gente continuar com a música e o rap merece esse tipo de apoio assim”, desabafa.

Froid nos atendeu de forma acolhedora. É visível que ele ama falar de seu trabalho e tem orgulho de estar onde está. Ao embarcar em “O Florista-Ao Vivo”, o artista mostra que não está em uma aventura às cegas ou em uma estrada guiada apenas por produtores. Dos tons que as canções teriam até as inserções das backing vocals, tudo entra dentro do escopo de entendimento do compositor, que contou com apoio de uma banda afiadíssima. “A gente fez a parada de novo mesmo. A única coisa que eu aproveitei foi a letra e a intenção da música. Mas tem até notas que a gente aumenta meio tom, ou baixa, saca? Pra poder caber mais no projeto, pra poder subir… Daí tem hora que sobe, aí pá! Backing vocals é uma coisa legal porque como é ao vivo não fica legal gravar dobra, daí vem as backing vocals e pá. Então a gente foi fazendo e todo mundo teve uma certa liberdade assim… os músicos, tá ligado? Eles vieram e somaram”.

Imagem: Reprodução

Assistindo aos vídeos no Youtube, não parece, mas a formação da banda que tocou em ‘O Florista’ se conheceu no dia da gravação. Uma doideira digna de quem confia no trampo de quem o rodeia. “Eu tenho uma banda que se chama Tubarão Vermelho, que é a minha banda. Aí, por exemplo, o baixista, o Joseph, tocou na Tubarão Vermelho, então eu já conheço ele faz uns cinco, seis anos, o resto da banda eu conheci naquele dia, num dia anterior, na real, mas eles estavam estudando a música. É louco, né?” conta entre risos – “Só que todo mundo ali é foda, o percussionista toca com a banda do disco Boogie Naipe, do Brown. Se eu não me engano, o baterista toca com a Priscilla Alcântara, o pianista também. O Paulinho, que é o guitarrista, eu gostei tanto dele da gravação, que hoje ele faz parte da minha banda, viajando comigo. “

Eu estou tentando manter todos os elementos do hip hop ainda ativos na minha arte. Pelo menos é o que eu vejo assim. Eu não posso abandonar o elemento DJ, então eu levo o DJ e estou fazendo um número com ele e um número com banda. Eu já estou em turnê com ‘Florista’, aí  algumas músicas  só funcionam com a batida. É muito louco, véio… Eu não sei também se eu compreendo o porquê disso

Froid sempre suscitou um debate dentro dos fãs da cena sobre sua lírica única. Se Djonga parece um rolo compressor e Baco Exu do Blues um romântico safado, Froid é um filósofo um tanto incompreendido. Entre punchlines, flertes com o trap e o reggae, suas canções atraem comentários de gente que se inspira no que as composições fazem sentir, ainda que haja um certo mistério em alguns de seus versos, oriundos de experiências muito pessoais. As pessoas estão prestando atenção no que Froid produz, ainda que muitas vezes a imprensa mainstream dispense menos atenção ao artista que a seus pares surgidos na mesma época.

“Eu sinto uma carga às vezes que é uma responsa, né? E aí essa responsa às vezes limita a minha criação pelo que eu acredito que a pessoa vai entender. Então, às vezes, eu lanço uma frase e apago, porque eu penso, ‘Pô, eu pensei assim, mas será que a galera vai entender?’, tá ligado? Então já me restringi a lançar tantas músicas, cara”, confessa o cantor.

Durante a entrevista, talvez sem querer, Froid revelou que tinha acabado de terminar um disco. Sem mais preocupações em precisar agradar ou se fazer entendido por todos, ele se dedica às experiências sonoras que o fazem sentido no momento. Não que seja de agora, nem que isso passe despercebido pelo público que constantemente comenta nas publicações do rapper nas redes sociais que “ele está a frente no tempo”

“Terminei um disco essa semana, tá ligado? E assim, com uma temática totalmente diferente. Com outra pegada, com outras batidas e também de coisas que eu estou estudando. Eu vou colocar dois Jersey Club. É um bagulho que não é porque está rolando Jersey, é porque eu estava estudando isso. Eu estava estudando drill, eu estava falando isso com a galera que trabalha comigo, ‘Cara, o drill vai estourar? O drill vai estourar!’. Antes do Central C começar com a parada, eu já estava estudando e se você for olhar meu disco Oxigênio, a música com Rincon Sapiência, a última música é uma desse estilo. Agora eu estou estudando gêneros que estão chegando também, tá ligado? Então, o disco pode sair um pouco futurístico”, revela sem medo de desaprovação da nova sonoridade por vir. “Eu não me limito mais. Quero que a galera entenda que eu sou um artista e que o que eu estou fazendo é arte e é só uma expressão de como eu me vejo. Isso não é certo ou errado, eu não vou dar o conselho que você quer ouvir ou que você não quer. Eu só estou sendo eu. Se você se identificar, é nóis!”, explica quase repetindo os versos “Eu sinto que não sou mais assim, como você me quer”, da faixa ‘Fantasmas’, presente no álbum “Gado”, de 2022.

O tom do papo, com o artista de 29 anos, soa ainda como resquício do trabalho de 2022. Não pela melancolia presente na segunda metade do álbum, mas pela liberdade de poder falar sobre  o que quiser, da forma que quiser. Da dançante e meio disco ‘+Que Amizade’ (Você agora quer um sangue novo/ Vandalizou meu coração com amor) até a confessional e tristonha ‘Fantasmas’ (Lembra dos fantasmas? Eles voltaram/ Sinto que me travam, eles são traumas/ Agora eu tô tendo que enfrentar/ O medo nunca, o peso nunca, ajuda a superar), Froid sempre soa sincero e talvez seja parte do segredo da identificação de seu público com suas composições que, nem sempre são inteligíveis de cara, mas invariavelmente soam como o trabalho de um artista que não está tentando emular um personagem.

“Hoje eu estou bem, saca? Mas quando a gente está na fase ruim, a gente não sabe que a gente está. Eu só estava sendo sincero ali, tá ligado? Foi uma fase muito difícil na minha vida, principalmente essa faixa, porque o seguinte: Eu tive uma outra filha e a gente (ele e a esposa Cynthia Luz) meio que parou nossas carreiras assim pra cuidar dela. E a nossa vida virou familiar e parará, parará, pararou… A gente passou vários momentos, teve esse momento de pandemia, teve a ausência de show, teve muita carga negativa! Eu tinha essa carga em mim. Então, ‘Fantasmas’ e a outra música também que eu fiz com o Mano Nardinho, ‘Fanfic!’ é uma faixa que eu precisei confessar isso e eu fiquei meio assim, “Será que o fã não vai ficar triste de eu estar falando isso?”. Mas é real, uma história que aconteceu comigo, que é síndrome do pânico, paranóia de perseguição, eu achar que a pessoa quer me matar, quer sequestrar meu filho, sei lá, mano”, conta.

“Cara, eu fiquei com essa parada. É essa parada de ser uma pessoa pública, isso me atrapalhou muito. Eu não imaginava como seria o impacto. Eu não vou dizer que eu não desejaria ter a fama assim. Eu desejo ainda, eu sempre quis, tá ligado? Queria ser conhecido mundialmente, queria que a minha cara fosse igual ao McDonald ‘s, igual à Nike, todo mundo soubesse quem sou eu. Só que, véio, eu não sabia do impacto, do efeito colateral. E neste ano da pandemia eu comecei a sentir isso, de quando eu estava fazendo coisas normais, de ir na conveniência comprar uma seda, um vinho, pra encontrar minha mulher, e o fã não entender que eu não tenho 40 minutos pra ficar ali, porque minha mulher está sozinha em casa, tenho filho, já não sou mais o Froid de antes, tá ligado?”, conclui.

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