Enorme dama dramaturgia brasileira e provavelmente, a primeira grande referência para mulheres negras brasileiras na televisão. Podemos até eliminar o recorte de gênero e colocar Ruth Pinto de Souza a grande pioneira figura referencial para toda pessoa preta que quis ingressar no trabalho de atuar.
Na peça “O Imperador Jones”, do dramaturgo norte-americano Eugene O’Neill , Ruth de Souza (1921-2019), então com 24 anos, esteve presente, fazendo parte de um momento histórico. O espetáculo foi a estreia oficial do Teatro Experimental do Negro, fundado por Abdias Nascimento em 1944.
A peça, encenada exclusivamente por artistas negros foi o estopim para que a figura de Ruth de Souza brilhasse e nunca mais se apagasse. Ela interpretou a única personagem feminina da montagem, já denotando seu pioneirismo mesmo entre os pioneiros.
Apesar do talento e da força de vontade, como tantos outros artistas pretos e já citados no Memória Trace, o protagonismo raramente foi oferecido para Ruth. A exceção que deve ser citada é “A cabana do pai Tomás”, onde a atriz se tornou a primeira protagonista negra da TV Globo, mas infelizmente teve de atuar ao lado de um Sérgio Cardoso fazendo uso de blackface, já que seria demais para a emissora carioca deixar um ator preto fazer par com uma atriz igualmente preta.
Ainda assim, a diva atuou em mais de 30 novelas na TV Globo, se fazendo perceber na marra e no talento.
Em 1947, brilhou na peça ‘O Filho Pródigo’, de Lúcio Cardoso e em seguida estreou na sétima arte no longa’Terra violenta’, adaptação do romance Terras do sem-fim, de Jorge Amado.
Ruth de Souza lapidou o talento com muito estudo, frequentando através de bolsa a Rockefeller Foundation, também a Howard University, em Washington, a escola de teatro da Karamu House, em Cleveland, e a American Musical and Dramatic Academy de Nova York. “Quando menina, li uma matéria sobre a Howard University, em Washington, na revista Life. Tinha uma foto belíssima que mostrava estudantes negros muito elegantes na frente da universidade. Durante anos alimentei o sonho de um dia poder frequentar um lugar como aquele. Anos mais tarde, quando fui estudar nos Estados Unidos, me senti entrando naquela foto da Life, naquele recorte de revista que vinha guardando”, contou em sua biografia ‘Ruth de Souza: A Estrela Negra’
Nem tanto afinco ao conhecimento da profissão lhe deu protagonistas na TV, mas ela seguiu dando tudo de si no que dava para fazer.
Foi no cinema que a atriz encontrou maior reconhecimento nos anos 50 e 60. Já no Brasil, atuou no filme Sinhá Moça (1953), dirigido por Tom Payne e se tornou a primeira atriz brasileira indicada ao prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza, na Itália, em 1954.
Se fora das telonas, as oportunidades seguiam estereotipadas, no teatro ela encarnou uma outra grande mulher preta e intelectual. Ela foi protagonista da adaptação para o teatro do livro ‘Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada’, clássico pungente da autora paulistana,
Talvez a atualidade, ávida por atrizes que saem de reality shows para o protagonismo, não conheça Ruth de Souza, mas ela foi uma das mulheres que possibilitaram que a gente pudesse ver hoje talentos como Taís Araújo, Lázaro Ramos, Sheron Menezes, Isabel Fillardis, Clara Moneke, Jennifer Nascimento terem chance como protagonistas. Estes citados estão sobre os ombros de uma gigante.
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