“Parece que a gastronomia e a periferia estavam muito distantes”. Conversamos com Edson Leite, criador da Gastronomia Periférica

por | maio 1, 2023

A ‘Gastronomia Periférica’ (apelidada de GP) foi criada visando remodelar a ideia construída de que a gastronomia como estudo é somente para pessoas de classe alta. Edson Leite conseguiu provar com a ideia que cozinhar é uma arte e trouxe perspectiva para aqueles que já entendem que comida é sobrevivência e ter uma profissão em que o conhecimento é produzido dos seus para os seus é também uma forma de alimento. São mais de mil cozinheiros formados no projeto.

Quando começou a pesquisar para conceber o GP, Edson precisou idealizar uma forma de quebrar a imagem elitista que as palavras “gastronomia” e “chef” construíram no imaginário popular. “Parece que a gastronomia e a periferia estavam muito distantes. A periferia sempre esteve na gastronomia, mas a gastronomia nunca entrou na periferia porque são os periféricos que lavam, que fervem, que fazem a coisa funcionar”, comenta o chef.

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Foto: Instagram

“Para nosso povo a alimentação tem uma concepção muito mais ampla. É sobre viver e não somente a importância é central dentro da cozinha de restaurante ou hotel. A gente está falando de se alimentar, das pessoas comerem”, explica Edson que enxerga poder quando ambas as coisas correm lado a lado, sem dissociação. E por pura estratégia ele batizou o corre de “Gastronomia Periférica”. Uma forma de causar curiosidade dentro e fora das quebradas. “Isso já faz com que os nossos se interessem e tenham curiosidade de saber do que se trata”.

Edson se formou em Serviço Social, se tornando um autodidata na cozinha por necessidade e vontade. A realidade da vida o levou para o mundo gastronômico e isso justifica a estrutura educacional do projeto.. “A gente criou uma escola de gastronomia que quem dá aula são os cozinheiros e não os chefs. Nossa professora de cozinha francesa é uma cozinheira francesa, nosso professor de gastronomia italiana é um mano preto que cozinha muito bem e estudou na Itália, quem dá aula de cozinha portuguesa sou eu e por aí vai. A gente coloca como protagonista quem deveria ter sido. Não é o chef de cozinha que a gente traz, mas os cozinheiros dessas pessoas”

“A gente criou uma metodologia, inclusive audiovisual, feita para os nossos alunos. Uma plataforma que é fácil e os moleques conseguem acessar. Temos de entender as dificuldades dos nossos para que isso vire real e não fique preso em um programa de TV”

Um dos trunfos de Edson é idealizar tudo de dentro para fora pensando em seus pares, isto é, o “nós por nós”. Suas preocupações abrangem as barreiras físicas e simbólicas dentro das comunidades onde seus projetos atuam, desde a ciência que um estudo EAD (criado durante a pandemia) precisa de rede de internet de qualidade e o fato de muitos não terem celulares ou computadores. As coisas aos poucos vão se refinando. “Esses lances se configuram como uma limitação também. Poucas pessoas percebem isso, mas até celular pré-pago não é acessível a todos. A gente tenta tirar isso da frente entendeu, traçando estratégias de comunicação e de ideias que são necessárias para os nossos”, explica.

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Edson e integrantes da Gastronomia Periférica

Aos 39 anos, Edson ainda conta com surpresa sobre as premiações que recebeu ou foi indicado. Segundo o ativista “quando a gente é pobre preto, a gente fica feliz se ganhar um troféu igual quando a gente vai jogar futebol para ganhar qualquer coisa”. A fala parte do ponto de vista de quem sabe como é ser limitado pela ordem das coisas por ter nascido negro e favelado. Ele foi  foi um dos finalistas do Prêmio Empreendedor Social 2022 na categoria Soluções Comunitárias e também finalista do Prêmio Jabuti 2019 na categoria Economia Criativa com o livro Porque criei a Gastronomia Periférica, lançado pela editora Inova.

“Você escuta falar do Oscar, do Grammy ou  Olimpíada e é incrível como nos limitam a tentar entender inclusive o que são as premiações Quando essas paradas chegam você não sabe muito bem como lidar”, conta o cria do Jardim São Luiz, em São Paulo.  “Quando eu fui para a final do Jabuti, que foi um dos maiores prêmios, eu sentei no auditório do Ibirapuera sem saber o que era jabuti no Brasil eu fiquei muito tempo fora e não tinha essa noção do que era um prêmio Jabuti. Aí quando eu fui lá eu pensei ‘pô esse bagulho é importante’ tinha a Conceição Evaristo sendo homenageada, Lázaro Ramos se apresentando e eu na plateia lá. Aí eu fui entender que era o maior prêmio da literatura brasileira e depois fomos premiados no maior prêmio lá da literatura mundial na China, então ali naquele momento pensei’ mano o bagulho que a gente tá fazendo é importante’”, reflete.

Edson Leite segue expandindo a implementação das suas ideias e pretende colocar o GP no maior número possível de favelas. Ele sabe bem que o caminho é cheio de pedras, mas estrategicamente, o chef já deixou o caminho das pedras traçado para os próximos.

Confira mais um pouco deste bate papo

Você esteve intimamente envolvido com rap. Por que nao seguiu?

O rap foi uma mulher que eu amei mas nunca consegui casar.Foi um bagulho que me resgatou, o rap foi minha mãe e meu pai fora de casa e não deixou que várias coisas acontecessem comigo, mas artisticamente falando eu sempre fui bom de escrever. cheguei a gravar dois discos produzidos pelo DJ Paul do RPW. A gente já tocou com Sabotage num show ao vivo  gigantesco junto com Dandan, que hoje é dia toca com Criolo. A gente quase foi preso porque a gente cantava um refrão sobre a polícia e eles não queriam que a gente cantasse.

Artisticamente eu achei que tava dando muito para o rap recebendo pouco. Eu entendi real quanto foi importante quando foi para Portugal e conheci as coisas da cozinha.

Por que?

A gente começou a fazer um programa em Portugal que a gente só tocava rap. Foi o primeiro programa de rap em língua portuguesa do mundo. Ficou três anos no ar e  levou Racionais para Portugal, tocou as primeiras músicas do Rashid, Emicida e Projota. Tocávamos tanto do Brasil quanto da Guiné,  Angola do Timor e outros países de língua portuguesa. Eu percebi o quanto era grande e importante que a gente fazia ali , mas ainda não havia uma questão comercial para o rap eu sempre fui de militância. Eu achava que a gente não podia comercializar o rap, né? Descobrimos que poderíamos ser profissionais depois de 3 anos no ar.

Em que pé estão os planos de expansão da Gastronomia Periférica?

A gente vai abrir restaurante em São Paulo, vai abrir outro com o Instituto Baccarelli. A gente tem que estar em todos os espaços do país para que essas pessoas entendam o que é a cozinha real e atingir quem a gente nem imaginava atingir.

E seus próximos projetos além da GP?

 Eu quero um programa de TV para contar história de pessoas como nós, também tem de um desenho, é bem bacana, são os vegetais falando sobre  o que um super-herói come, tá ligado? A  gente só vê eles agindo e ninguém conta que p…eles comem! (risos). Tem bastante coisa na gaveta que a gente quer colocar em prática. Quando você consegue encontrar uma tranquilidade e pensar, você projeta. E aí eu tenho uma cerveja que é Pokazideia são 22 pessoas trabalhando e plantando essa planta azedinha e chega através do Carrefour, enfim tem muita coisa .

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