O desafio do jornalista é sempre se colocar de maneira isenta (o que não significa imparcial) dentro de uma matéria. Ele é o narrador e não o personagem, mas quão difícil é não se envolver quando o entrevistado tem uma história tão em comum com você e tantos outros garotos negros neste país.

Negão da BL entrou em chamada de vídeo para a entrevista sem camiseta, perguntou se poderia permanecer assim. Nem se ele não estivesse no contumaz calor do Rio de Janeiro, eu poderia dizer que ele não poderia. Foi muitas vezes sem camiseta que ele apareceu ao lado de sua mãe, Dona Giselle, nos vídeos que viralizaram e deram notoriedade ao rapper e sua família. Depois de um ano de pausa na carreira, ele voltou com o single

“Soldado de Verdade”, e mais recentemente a faixa “Qual Preto?”, uma canção que tem a mensagem reforçada nas falas dele durante a entrevista. “Vejo uma necessidade de mostrar a minha força, mas não xingando, e sim mostrando que eu não vou me ajoelhar para ninguém, até porque para chegar aqui foi Deus, minha família e o público”, desabafa BL.

Foto: Divulgação do clipe “Qual Preto?”

Negão da BL ficou em hiato após polêmicas envolvendo shows na pandemia e uma prisão, além de ter tido os rendimentos de seu canal roubados. O influenciador e rapper volta à carga mais lúcido do que jamais esteve. “Eu não vejo a necessidade de eu ficar babando ovo dos caras. Então essa música (“Soldado da Verdade”)  foi muito desabafo meu, tá ligado?”, conta.

As últimas faixas lançadas pelo carioca tiveram parceria na produção de Ecologyk, DJ e produtor que já trabalhou com Mc Pedrinho, Lipi, PH, Duzz, Bivolt, Igu e MC Dricka. Negão escreveu uma canção e através da produtora conseguiu uma ponte com o DJ que gostou de outra faixa e também produziu, resultando na retomada da carreira musical do filho de Dona Giselle.

É em “Qual Preto?”, single lançadores atrás, em 21 de abril, que BL escancara uma consciência racial despertada recentemente segundo ele mesmo admite. Ele explica que a faixa nasceu de dores passadas e observações do presente. “Qual Preto nunca quis ser branco?  Aí você vai falar assim, que nunca quis, poxa, show de bola dizer isso com uma mentalidade já concreta, já sabendo de tudo, mas  me fala quando você tinha sei lá 10, 12 anos, quando você tinha apelidos que tipo assim, te machucaram, riam do tom da sua pele, e você queria ser branco para não se trancar mais no banheiro e chorar”, provoca o cantor.

Negão da BL foi um aluno brigão. Como muitos meninos pretos a forma de se defender do racismo era “catar os caras na porrada”. Talvez dessa casca grossa da vivência e com apoio da mãe, ele tenha sobrevivido ao período em que todos os amigos o abandonaram. 

“Por que um cara preto tá aí se dando mal, mas cara branco fazendo pior não? Isso não é normal, é foda (…) mas sabe por que é culpa também dos preto que subiu e deixou de falar do bagulho, mano.  Deixou de usar a referência deles, então tipo assim, sobra para quem tá aqui embaixo sustentar um peso danado”

Negão da BL e sua mãe, Dona Giselle

Como uma pessoa preta que tenta se reerguer após a queda, Negão da BL entendeu como funciona os mecanismos do pacto da branquitude, ainda que não tenha mergulhado em filosofias e se embrenhado pelo terreno complexo da militância virtual. Ele “viveu o nego drama” e é didático: “Vou usar dois exemplos de pessoas que não vou falar que são meus amigos, mas são conhecidos meus. Nego do Borel e o Biel. Ambos pecaram mas a diferença é que um é branco e fizeram de tudo para recolocar ele, ressocializar. A mesma emissora (Record) expulsou o Borel de um reality, a justiça  não condenou ele, mas para quem que deram várias chances na mídia?”

Com o retorno à música, Negão da BL agora espera o público conhecer os novos trabalhos para poder cantar ao vivo novamente. Com um som inspirado em “30% do funk, 60% do Rap e trap  e 10% de drill”, como ele descreve, essa versão mais madura do artista espera restabelecer os passos vencedores que dava quando surgiu para o Brasil. “Eu gosto de cantar a realidade e hoje no mercado nem tudo que tem letra e história tem espaço, tá ligado?”, diz.

Vou falar para você do meu coração, aparentemente eu tinha vários amigos, quando a coisa apertou eu fiquei sem nenhum. Eu fiquei pensando ‘não posso ter errado com 18, 20 amigos’. Foi onde eu fiquei muito triste, tá ligado? A ingratidão do ser humano mata o cara

“Eu estava sem força tá ligado?  Igual quando eu me separei da minha mulher, aí tipo, cada um ficou no seu canto. Também pedi para  minha mãe não vir mais aqui na minha casa, ficou só eu e meus cachorros, tá ligado? Eu ficava deitado ali no quarto olhando para o nada, sem dinheiro” 

Dispensando autoajuda barata, Negão da BL vai direto ao falar sobre como a falta de dinheiro afetou sua saúde mental e relação com as pessoas. Explicou que após se afastar da internet e mídia, pessoas desapareceram, e que ele voltou até mesmo a ficar numa situação pior do que antes da fama. “As pessoas também se esqueceram que eu fui roubado, eu não gastei com mulher, eu não gastei por luxúria. Eu fiquei sem nada”, desabafa ao mesmo tempo que demonstra alívio por ver “máscaras caindo”.  “Ano passado eu era um fantasma de uma pessoa, tá ligado? Já começaram a falar meu nome esse ano, eu já consegui ser um dos assuntos mais falados do Brasil, positivamente ou negativamente, mas falaram”, celebra.