O Bonde apresenta a Trilogia da Morte no TUSP Butantã

por | abril 25, 2024

Peças “Quando eu morrer vou contar tudo a Deus”, “Desfazenda – Me enterrem fora desse lugar” e “Bom Dia, Eternidade” ganham sessões entre 12 de maio e 24 de maio; trabalhos refletem sobre as quase mortes dos corpos negros em diferentes fases da vida e as heranças do período escravocrata

Grupo premiado, O Bonde tem se dedicado à pesquisa sobre as heranças do período escravocrata, sobretudo em relação aos corpos negros. Toda essa investigação se desdobrou em três espetáculos – Quando eu morrer vou contar tudo a Deus, Desfazenda – Me enterrem fora desse lugar e Bom dia, Eternidade –, que, pela primeira vez, fazem uma temporada conjunta no TUSP Butantã entre 12 e 24 de maio.

Bom dia, Eternidade fica em cartaz nos dias 12, 13 e 14 de maio; Quando eu morrer vou contar tudo a Deus e Desfazenda – Me enterrem fora desse lugar fazem apresentações dias 21, 23 e 24 de maio.

Esses trabalhos formam a Trilogia da Morte e suas histórias são independentes. Assim, a ideia é que cada peça aborde uma fase do corpo negro: infância, vida adulta e velhice. Da mesma forma, cada espetáculo explora diferentes linguagens, sempre com o objetivo de potencializar as narrativas.

Infância

Tudo começa com Quando eu morrer vou contar tudo a Deus, que estreou em 2019. Baseada em fatos reais, a peça narra as aventuras de Abou, um menino africano que foi encontrado dentro de uma mala tentando entrar no continente europeu.

Com texto de Maria Shu e direção de Ícaro Rodrigues, o espetáculo faz um retrato lúdico e poético da situação de abandono e da ausência de condições básicas de sobrevivência a que muitas crianças são submetidas, sobretudo as negras, no conhecido processo de imigração em massa para o continente europeu.

Para dialogar diretamente com o público infantil e estabelecer uma ponte com os espectadores brasileiros, O Bonde inseriu na trama a figura dos contadores de histórias africanos, chamados de griôs, representados por Ailton Barros, Filipe Celestino, Jhonny Salaberg e Marina Esteves. Eles compartilham momentos da vida de Abou e sua família, fazendo relações com fatos que acontecem nas periferias daqui.

Por ser um tema forte, O Bonde buscou maneiras de fabular a realidade. E a trilha sonora, assinada por Cristiano Gouveia e executada ao vivo pela violonista Ana Paula Marcelino e o percussionista Anderson Sales, contribui muito com isso. As canções seguem referências sonoras, rítmicas e melódicas de cantigas tradicionais africanas. Há até músicas em línguas africanas, como o yorubá.

Cena de Bom dia, Eternidade | Crédito: Noelia Nájera

Fase adulta

Ao chegar na fase adulta, os temas abordados pelo O Bonde ficaram mais complexos. “Desfazenda – Me enterrem fora desse lugar, que estreou em 2020 em uma versão online, é mais denso, mas não menos poético. O dramaturgo Lucas Moura nos apontou um caminho mais rimado e ritmado, e, por isso, escolhemos o spoken word como referência da pesquisa”, comenta Filipe Celestino.

Por esse motivo, Roberta Estrela D’alva foi convidada para dirigir a montagem. Inclusive, foi a primeira experiência dela como encenadora fora do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos. “Ela não só trouxe suas vivências de spoken word como também toda a sua bagagem com teatro hip-hop, moldando toda estética da peça”, completa o artista. Já a direção musical é da atriz, compositora e DJ Dani Nega. O trabalho ganhou o APCA de melhor espetáculo virtual naquele ano.

O público conhece a história dos personagens 12, 13, 23 e 40, pessoas pretas que quando crianças foram salvas da guerra por um padre branco, e vivem em uma fazenda, cuidando das tarefas diárias, supervisionadas por Zero. O padre nunca sai da capela, a guerra nunca atingiu a Fazenda, e sempre que os porquês são questionados, o sino soa e tudo volta a ser como antes (quase sempre). Em cena estão Ailton Barros, Filipe Celestino, Jhonny Salaberg e Marina Esteves – além das vozes de Grace Passô e Negra Rosa.

Em 2023, Desfazenda fez sua estreia presencial no Sesc Avenida Paulista. A principal diferença em relação à sua versão online é que a obra ganhou novas camadas. O Bonde inseriu diversas referências a episódios recentes de racismo, como os assassinatos de George Floyd e do segurança João Alberto no supermercado Carrefour, bem como o colapso da saúde em Manaus.

Velhice

“Para a última parte da trilogia, mergulhamos no passado dos nossos familiares, nas histórias que eram contadas de gerações em gerações, nos causos e músicas antigas”, afirma Celestino. A dramaturgia é assinada por Jhonny Salaberg e a direção é de Luiz Fernando Marques Lubi.

Na trama, quatro irmãos idosos que sofreram um despejo na infância recebem a restituição do terreno após quase 60 anos. Resta a eles se encontrar para decidir o que fazer.

E, como a ideia d’O Bonde é dar voz para as pessoas poderem falar por si, uma banda de quatro músicos com mais de 60 anos formada por Cacau Batera (bateria e voz), Luiz Alfredo Xavier (violão, contrabaixo e voz), Maria Inês (voz) e Roberto Mendes Barbosa (piano e voz) contracena com o elenco (Ailton Barros, Filipe Celestino, Jhonny Salaberg e Marina Esteves), mesclando acontecimentos de suas vidas e ficções de um futuro outro.

“A musicalidade fez um resgate de cancioneiro e gêneros musicais difundidos entre os anos 1950 e 1980, além de elementos da cultura afrodiaspórica, que intrínsecos aos arranjos se mostram como contornos dos sonhos de antes e de quando se puderem realizar pelos baluartes que compõem a banda e espelham o futuro dos personagens”, explica Fernando Alabê, diretor musical do espetáculo.

E são canções do próprio Fernando e de Djavan, Tim Maia, Jorge Aragão, Roberto Mendes Barbosa, Luiz Alfredo Xavier, Jorge Ben Jor, Lupicínio Rodrigues e Johnny Alf que norteiam a narrativa.

Para dar conta de toda essa atmosfera afetiva, a ação ocorre no quintal da antiga morada da família. E esse ambiente remete a uma casa de vó.

Espetáculos da programação da Mostra de repertório d’O Bonde

A trilogia

O que une as três obras é a narratividade, mas cada uma carrega em si sua própria forma de conduzir essa pesquisa. Tem também as árvores! Cada peça tem uma árvore que é parte simbólica na dramaturgia. No infantil, temos O Baobá, símbolo de força para o menino Abou. Em Desfazenda, temos a favela, árvore que faz com que o personagem 23 tenha esperança de um mundo novo. Em Bom dia, Eternidade, temos a Gameleira, símbolo de resistência, única coisa que ficou em pé depois da demolição.

E, embora os trabalhos possam ser vistos em qualquer ordem, O Bonde acredita que quem respeitar a sequência dos espetáculos terá a chance de ver a Trilogia desabrochando, entendendo como uma coisa levou à outra.

“⁠Apresentar esses trabalhos juntos firma O Bonde no cenário teatral como um coletivo de pesquisa de teatro de grupo e referência para o teatro negro. Mostra como estamos em constante movimento e como nossa pesquisa é sólida e rica”, emociona-se Celestino.

SERVIÇO

Mostra de Repertório d’O Bonde
Local: TUSP Butantã

Endereço: Rua do Anfiteatro, 109 – acesso pela lateral direita do prédio, ao lado do bloco C – Butantã, São Paulo, SP

Grátis | Retirada de ingressos com 1h de antecedência

BOM DIA, ETERNIDADE

Datas: 12 de maio, às 18h; dias 13 e 14 de maio, às 19h
Duração: 120 minutos
Classificação indicativa: 14 anos

QUANDO EU MORRER VOU CONTAR TUDO A DEUS

Data: 21, 23 e 24 de maio, às 14h
Classificação indicativa: Livre
Duração: 60 minutos

DESFAZENDA – ME ENTERREM FORA DESSE LUGAR

Data: 21, 23 e 24 de maio, às 20h
Duração: 70 minutos
Classificação indicativa: 12 anos

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