Claudinho e Buchecha foram fenômenos pop do fim dos anos 90 e começo dos anos 2000. Dois jovens negros da periferia que conseguiram ascender através da música, e ainda mais inusitado, com o funk, um gênero musical marginalizado no país. A história dos artistas como duo terminou em 2002 com a morte de Claudinho em um acidente de carro, e é esta história que “Nosso Sonho”, cinebiografia dirigida por Eduardo Albergaria, conta.
O longa acompanha a amizade dos protagonistas desde a infância, mostrando parte da construção desse laço que se tornou tão forte que a ideia de se separarem parecia impensável para ambos sob qualquer circunstância. A narrativa é contada a partir do ponto de vista de Buchecha, interpretado por um inspirado Juan Paiva, enquanto Claudinho é encarnado pelo carismático Lucas Penteado.
O romantismo das letras e as melodias leves da dupla contrastam com os dramas familiares comuns a tantos meninos pretos do Brasil. O filme foca especialmente no conflito entre Buchecha e seu pai, Claudino (Nando Cunha). É interessante acompanhar como esse relacionamento é baseado em raiva mútua que nem mesmo os envolvidos entendem de onde vem. A frustração com as expectativas não alcançadasnão é transferida de pai para filho e os atores estrelam as melhores cenas do filme quando precisam expor as rusgas geracionais que trazem dor e dúvida para o núcleo familiar. Cunha e Paiva dão verdadeiro show a cada interação.
Claudinho e Buchecha lançaram cinco discos e, embora o drama familiar vivido pela dupla seja um ponto forte do filme, fica um vácuo em relação à trajetória musical dos artistas. Algumas canções de sucesso estão na trilha sonora, mas a produção pouco se apega ao processo de composição e menos à cronologia da carreira da dupla. Em determinado momento há um salto temporal inexplicável entre o primeiro sucesso nos bailes funks e a estabilidade financeira dos artistas. De uma tragédia que faz Buchecha perder a casa à compra de uma casa nova é um pulo, e isso pode incomodar quem esperava ver mais sobre como os dois meninos encararam o sucesso.
Em entrevista para a Trace Brasil, o diretor Eduardo Albergaria e Buchecha disseram que foi uma escolha narrativa focar em uma história que o público não conhecia, ainda assim seria muito benéfico ao longa ter mais de amenidade musical.
Lucas Penteado traz uma leveza para Claudinho que representa bem a descrição do próprio Buchecha sobre o amigo. Ele está sempre leve, positivo e angelical. Neste ponto seria bom que mais nuances do personagem fossem mostradas, mas isso não compromete o filme.
As personagens femininas tem pouco espaço, com destaque para Tia Natalina (Flavia Souza), Rosana (Lellê) e Vanessa (Clara Moneke). O foco na irmandade dos protagonistas fica mais forte após a primeira meia-hora de filme, escanteando um pouco o papel das mulheres na vida da dupla.
“Nosso Sonho” consegue apertar o coração, sobretudo no ato final quando sabemos para onde se encaminha o final da história. As premonições e a mudança no humor de Claudinho fazem com que a gente torça por um desfecho diferente, ainda que se saiba não ser possível. Albergaria conduz bem a crescente tensão com Penteado e Paiva apresentando seus melhores trabalhos em termos de atuação.
“Nosso Sonho” é a história de vitória de dois jovens pretos e uma experiência cinematográfica satisfatória e emocionante.
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