“A Lenda de Candyman” é aterrorizante, inteligente e faz críticas sociais certeiras sem soar clichê

por | outubro 30, 2023

“A Lenda de Candyman” é uma continuação direta do clássico original de 1992 e só por isso poderia sustentar tranquilamente a curiosidade dos fãs de terror. Com a  produção executiva de Jordan Peele, nome que se tornou símbolo do novo terror de Hollywood após conceber duas pérolas  contemporâneas  (“Corra” e “Nós”), a produção sobre o fantasma de Cabrini Green ganhou mais escopo. Não bastasse o nome de Peele, o filme ganhou a direção da talentosa Nia Dacosta, que será responsável pela sequência de “Capitã Marvel”.

Candyman é uma lenda intrínseca à criação do Cabrini Green, em Chicago. A história do fantasma com mão de gancho que aparece quando seu nome é chamado cinco vezes em frente a um espelho aterroriza os moradores há décadas. O conjunto habitacional que ambientava o antigo filme foi substituído nos dias atuais por alguns condomínios de luxo e é em um desses prédios que o artista visual Anthony McCoy (Yahya Abdul‑Mateen II) e sua namorada, diretora da galeria, Brianna Cartwright (Teyonah Parris), se mudam para um condomínio de luxo em Cabrini, agora gentrificado e habitado por millennials. Anthony busca renovar seu status dentro da cena artística da cidade e busca na história macabra do bairro inspiração para criar novos quadros.

Yahya Abdul‑Mateen II em cena

Diante dessa investigação que o filme começa a fundir os elementos sobrenaturais existentes no primeiro longa e as metáforas raciais poderosas já exploradas pelo produtor, Jordan Peele em outros trabalhos. Aqui, essas metáforas chegam à enésima potência, mas isso não tira  em nenhum momento o poder de apreciação do filme como obra de entretenimento. Digo isso porque nos tempos atuais há quem torça o nariz para ententer subtextos.. As duas primeiras mortes são uma aula de como construir clima soturno e assustar mesmo que já saibamos o que vai acontecer aos personagens. É o uso do clichê de gênero de forma exemplar e violência gráfica servindo à narrativa.

Yahya Abdul‑Mateen II e Teyonah Parris têm uma química boa em cena. Ela é curadora de arte tentando equilibrar a carreira com os cuidados em relação ao namoro com um parceiro cada vez mais perdido. A ligação da personagem com McCoy se justifica num breve flashback sobre o fim trágico de seu pai e isso é toda exposição necessária que o filme nos dá.  Inclusive o namorado e o pai de Brianna serem artistas emergentes frustrados é um fator enriquecido pela sátira que se faz a arrogância do meio, tanto por parte de artistas como de críticos e curadores.

Yahya Abdul‑Mateen II está bem. Seu personagem vai naturalmente de um charmoso um tanto cínico para mais completa insanidade à medida que se depara com os eventos aterrorizantes e inexplicáveis de Cabrine Green. Parris mostra a que veio com a melhor atuação desde sua participação em “WandaVision”. Sua Brianna é cética e, embora demonstre amor a Anthony, não exita em se afastar ao menor sinal de ameaça de violência física.

 “A Lenda de Candyman” tece críticas ferozes sobre  a gentrificação, racismo, violência policial, arrogância e ausência de autocrítica da classe artística branca. Essas críticas não são leves ou sutis, mas passam longe de resvalar no simples apontamento de dedo. O roteiro (também escrito com ajuda de Nia Dacosta) é sagaz e jamais subestima a inteligência do público. 

Esteticamente o filme é lindo. O esmero da fotografia e dos efeitos especiais que só recorrem à computação gráfica em momentos pontuais enriquece a experiência.

 Todas as aparições de Candyman são incômodas. É um desafio para filmes de terror manter sua criatura assustadora à medida que a figura fica mais comum na tela, mas a premissa do personagem e a escolha por mostrar algumas de suas ações através de reflexos fazem com que sua presença em tela nunca seja inócua em relação a provocar medo.

Acertadíssima escolha da produção em trocar a contadora da história (branca no original) por personagens negros.  Afinal, Candyman tem origem no assasinato do  afro-americano Daniel Robitaille, um homem assassinado por ter engravidado uma mulher branca. Robitaille foi torturado, teve a mão decepada e depois jogado para ser devorado por abelhas após ter o corpo coberto por mel. Resumindo, Candyman nasceu como vítima e a história de violência contra negros em Chicago fez com que surgissem outras figuras que se tornassem Candyman, mostrando assim que a história repetida e contada torna a lenda imortal, um ciclo similar  à violência que assola a população negra naquele país.

“A Lenda de Candyman” é aterrorizante, inteligente e traz um final que vai fazer a platéia se arrepiar. 

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