Crítica: Emocionando e divertindo na mesma medida, “Mussum – O Filmis” é uma das melhores cinebiografias nacionais

por | novembro 1, 2023

Durante muito tempo, a imagem de Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, foi alvo de contos populares nem sempre lisonjeiros e deve-se dizer que além da falta óbvia de meios de confirmar informações com a velocidade como temos hoje, ajudaram muito as esquetes feitas com os Trapalhões, muitas vezes com piadas ofensivas e o próprio racismo que não suporta ver um negro bem sucedido sem inventar boatos negativos.

. A infância pobre, a carreira militar, a relação com a Mangueira e o sucesso com o grupo Os Originais do Samba, além dos bastidores como integrante dos Trapalhões são o foco da cinebiografia dirigida por Silvio Guindane, “Mussum- O Filmis”, Inspirada no livro “Mussum – uma história de Humor e Samba”, de Juliano Barreto. Sem firulas, o roteiro, dividido nos tradicionais três atos, vai soar familiar a milhões de brasileiros durante exibição da infância pobre de Antonio Carlos, quando ainda era Carlinhos (vivido por Thawan Lucas Bandeira) e vivia com sua mãe, Dona Malvina (Cacau Protásio) em um casebre de uma comunidade do Rio de Janeiro. 

Luiza Rosa, Cacau Protásio e Yuri Marçal numa cena de ‘Mussum – O filmis’ ( Imagem: Desiree do Vale)

 

Assim como tantas crianças negras brasileiras, Carlinhos sonhava ser jogador de futebol, ideia que gera contrariedade na mãe que, embora sem estudos, queria que o filho seguisse o caminho da escola. També fonte de desaprovação de Dona Malvina era o gosto precoce do filho por música, simbolizado aqui por uma ótima cena em que o menino, em cima do muro (literalmente), fica dividido entre as ordens da mãe e o chamado do sambista embriagado vivido em rápida passagem por Serjão Loroza. Esse conflito entre o que a mãe acredita ser o melhor e o queo futuro sambista deseja realmente fazer vai permear toda a exibição do filme como principal balança para as tomadas de decisão do protagonista.

Quando um corte no tempo nos leva para a juventude do protagonista, Yuri Marçal assume a fase crucial da vida de Antônio Carlos, que é quando ele precisa decidir se segue carreira na Aeronáutica, ao mesmo tempo em que começa a se destacar na noite com Os Originais do Samba, ainda que escondido dos familiares. Na mesma época ele conhece sua primeira esposa, Nely (Jeniffer Dias) e começa a construir sua própria família, gerando ainda mais a necessidade de escolher o que fazer no futuro. Marçal tira de letra ao emular o carisma do personagem sem que pareça estar interpretando a si próprio, coisa difícil para muitos humoristas.

Quando finalmente entra em cena Ailton Graça na fase em que Carlinhos ganha o apelido de Mussum por Grande Otelo (Nando Cunha), o filme nos conquista de vez. Graça está perfeito como o multitalentoso  humorista e músico, vivendo o melhor papel da carreira. Não à toa levou o Kikito de Melhor Ator no Festival de Gramado (Yuri Marçal levou também de ator coadjuvante). A semelhança com o retratado é incrível, mas mais que a aparência, a variação de emoções é agarrada com fervor pelo ator paulistano.

Crédito: Desireé do Valle

 “Mussum- O Filmis” chega para ressignificar e derrubar mitos sobre a trajetória de vida de Mussum. Antes mesmo de integrar os Trapalhões, o artista já tinha tocado com grandes nomes como Jorge Ben (Ícaro Silva), Baden Powell e Elza Soares (Larissa Luz)) e também estava em plena ascensão com seu personagem na TV, sendo uma figura respeitada na classe artística, fato que por muito tempo foi ignorado nos contos folclóricos sobre uma suposta figura constantemente bêbada e decadente, mentiras que o longa faz questão de apagar.

Talvez o filme não funcionasse tanto se o coração da obra tivesse desviado seu foco para outro lugar que não as personagens femininas em torno de Mussum. De carisma magnético, teve uma vida amorosa intensa e nos casamentos encontrou apoio para poder seguir seus sonhos e fazer escolhas. No terceiro ato, Cinara Leal encarna a última esposa, responsável por contestar a postura infiel e mulherenga do personagem. 

Foto: Divulgação

 

Com certeza é o afeto pela mãe, vivida na fase idosa pela ótima Neusa Borges, o definidor da vida do artista. O amor pelo samba e pela atuação são pilares da existência de Mussum, mas é a existência de Dona Malvina, mãe solo preta, que move o espírito aguerrido do protagonista.

Os problemas com o álcool não são espetacularizados como talvez muitos gostariam de ver, mas a bebida está sempre presente como uma acompanhante para as conquistas e perdas do ator.

Se tratando de recriação de época, a produção de “Mussum – O Filmis” acertou em cheio e foi cuidadosa com os detalhes que marcaram a carreira do humorista. Tanto os figurinos como a maquiagem e os cenários são dignos de aplausos. É notável o trabalho da equipe em conferir coerência à narrativa através do apuro técnico.

E o que falar da reunião dos Trapalhões? Dá vontade de ver um filme do quarteto só  de ver Ailton Graça, Gero Camilo (Renato Aragão), Felipe Rocha (Dedé Santana) e Gustavo Nader (Zacarias) em ação. A química e a recriação das esquetes são parte dos pontos altos do filme. Na verdade, a falta de um pouco mais sobre a relação do grupo deixa um gosto agridoce na boca. Por ser a fase mais popular da carreira de ambos, era possível explorar detalhes sobre o auge e o desgaste da trupe. Em certo momento, através de Dedé Santana, é exposto uma suposta tomada de protagonismo e ganhos financeiros por Renato Aragão e o filme ensaia mostrar a quebra da amizade dos quatro, mas o conflito acaba sendo resolvido em off.

“Mussum – O Filmis” é uma ótima cinebiografia, gênero que pode errar facilmente em ser chapa branca ou excessivamente sensacionalista. Com uma interpretação primorosa de Ailton Graça, ótimos diálogos do roteiro de Paulo Cursino e elenco engajado e talentoso, o filme emociona e diverte, além de colocar no devido lugar a história de  Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum.

O filme estreia no dia 2 de novembro .

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